sábado, 30 de janeiro de 2016

FEVEREIRO/2016: ORTHOGRAPHIA QUANTICA


Uma attenta consulente deste blog de notas me questiona sobre um poncto
que nunca é demais repassar. Diz ella: "Glauco, volta e meia você se
refere a um graphema, mas a definição de graphema que encontro nos
diccionarios não me satisfaz. Pode esclarescer?"


Então vamos la. Defino graphema como um morphema padronizavel de accordo
com o systema orthographico que adoptamos. Exemplificando, temos dois
morphemas (um latino e um grego) para representar a mesma idéa: SCRIP e
GRAPH, compostos de cinco phonemas, ou, em portuguez claro, duas
palavras nucleares, ambas compostas de cinco lettras. Pois bem: cada um
desses morphemas será um graphema na medida em que mantemos ou alteramos
o "P" e o "PH", respectivamente. Assim, si adoptarmos o systema
phonetico, os graphemas serão SCRI e GRAF, com quattro lettras; si
adoptarmos o systema etymologico, os graphemas serão SCRIP e GRAPH, com
cinco lettras. Fica evidente que o graphema funcciona como um modello ou
paradigma applicavel a quaesquer vocabulos da mesma familia: pelo
systema phonetico, "eSCRItura", "manuSCRIto", "inSCRIção",
"esferoGRÁFica", "fotóGRAFo", "GRAFoscopia"; pelo systema etymologico,
"eSCRIPtura", "manuSCRIPto", "inSCRIPção", "espheroGRAPHica",
"photoGRAPHo", "GRAPHoscopia". Notem como o graphema, que gryphei em
caixa alta, tem posição variavel mas forma invariavel em cada
composição. Isto quer dizer que um graphema pode ser prefixo, infixo ou
suffixo, conforme o caso. Assim, "HYPO", "PREHEN" e "DELLA" são
graphemas etymologicos, respectivamente, nas palavras HYPOTHESE,
COMPREHENSÃO e PISCADELLA. Ficou claro? Pois é, às vezes os diccionarios
dão apenas uma accepção ao verbetar certos termos. No caso, alludem a
uma unidade de escripta, que pode ser uma lettra ou uma figura symbolica
(ideogramma), mas se esquecem de que a tal "unidade" pode ser composta
de duas (digramma), trez (trigramma) ou mais lettras, como nos exemplos
que accabamos de examinar.


Ainda a proposito de criterios particulares para quantificar e
qualificar casos de lettras a mais ou a menos, recebi de outro
consulente a seguinte questão: "Glauco, si você escreve CANNELLA com
duplo "N" e duplo "L" e CANNETA com "T" simples, por que recommenda
SONNETTO como QUARTETTO ou TERCETTO? Não seria o caso de padronizar as
desinencias ETTA/ETTO?"


Respondo que são coisas differentes. Como ja expliquei, o graphema
"ETTA/ETTO" só occorre em casos analogos a termos appropriados do
italiano, como LAMBRETTA, VENDETTA, CORETTO e LIBRETTO. Ja o graphema
"ELLA" é bem mais generalizado, pois deriva directamente do latim, como
em CIDADELLA e PARCELLA. A forma masculina "ELLO" é menos frequente mas
tambem occorre, como em CABELLO ou PELLO.


Na mesma linha, pergunta outro leitor: "Glauco, por que você acceita
TORNOZELO com um só L mas recommenda COTOVELLO com dois? Nenhuma dessas
palavras veiu prompta do latim. Por que não uniformizar-lhes a graphia?"


Respondo que em alguns casos sigo a praxe consuetudinaria por pura
inercia. Todos os diccionarios registravam COTOVELLO com "L" duplo mas
simplificavam o "L" de TORNOZELO, talvez devido ao latinismo da primeira
(CUBITUS/CUBITELLUS) e ao hellenismo da segunda (TORNOS+OZOS),
theoricamente insufficiente para explicar a desinencia latina "ELLO".
Por analogia, poderiamos admittir o graphema "ELLO" para ambas, sem
grande violencia contra a tradição vernacula, como no caso de CABELLO e
PELLO (respectivamente, CAPILLUS e PILUS, mas tambem PILLUS); acho,
porem, que a materia deve ficar a criterio de cada escriptor.


Aos interessados deixo o link para um menu na nuvem donde podem baixar
os archivos do DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO e de outras obras pertinentes.


https://www.dropbox.com/sh/m8jq3615v16g2zt/AACEKn9GzBQUpQmyutQU6Bnha?dl=0


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sábado, 9 de janeiro de 2016

JANEIRO/2016: SINGELLAS QUERELLAS


Questão relativamente simples occorre-me trazer à pauta deste blog de
notas, por compta de algumas duvidas levantadas pelos mais pingados dos
quattro internautas que me consultam. Embora seja poncto pacifico que o
suffixo latino "ELLA" tem funcção diminutiva em casos como CIDADELLA,
TABELLA, CANNELLA ou RODELLA, o systema mixto não extendia tal conceito
às desinencias verbaes "ADELLA" e "IDELLA", tractadas pelos grammaticos
e lexicographos como meros graphemas substantivados, compostos de
participios aos quaes se pospunha um suffixo dicto vernaculo, "ELA", sem
geminação do "L". Assim, de verbos como APPALPAR, ESCARRAR, ESPIAR,
OLHAR, LAMBER, MORDER, CUSPIR ou SACUDIR derivariam substantivos como
APPALPADELA, ESCARRADELA, ESPIADELA, e assim por deante.

Ora, está claro que cada um desses substantivos é forma alternativa do
respectivo diminutivo, a saber, APPALPADINHA, de APPALPADA;
ESCARRADINHA, de ESCARRADA; ESPIADINHA, de ESPIADA, donde a perfeita
applicabilidade do suffixo latino "ELLA" addeante mencionado. Temos,
portanto, como formas absolutamente legitimas as dos substantivos
APPALPADELLA, ESCARRADELLA, ESPIADELLA, etc. extensivos a todos os casos
analogos. Ja tractei de verbetar, no DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO, os
exemplos mais usuaes ou utilizaveis.

Cumpre a nós, etymologistas, attentar para quaesquer manobras
simplificadoras dos phoneticistas que, sempre obcecados pela graphia
reformada, escamoteiam os vinculos mais tradicionaes sob o pretexto de
que taes ou quaes vocabulos se teriam formado ja no portuguez e por isso
dispensariam pospositivos latinos na composição de seus derivados. Faço
questão de conclamar os collegas de lucta philologica em torno desse
poncto que, si para quem practicava o systema mixto prequarentista era
irrelevante, para nosoutros é cavallo de battalha.

Outra questão simples é o suffixo "ETTO" em palavras de origem italiana,
quando confrontado com seu homophono vernaculo "ETO", que tem funcção
tambem diminutiva, a exemplo do supracitado "ELLA". Vocabulos como
CORETTO, QUARTETTO, TERCETTO, DUETTO ou LIBRETTO são inquestionaveis,
bem como aquelles em que não occorre o duplo "T", como FOLHETO,
PAMPHLETO, POEMETO, CARRETO, GRAVETO ou CHLORETO. Só me chegam duvidas
quanto a dois casos: QUINCTETTO e SONNETTO. No primeiro, cabe o
hybridismo entre o latim QUINCTUS e o suffixo italiano, ja que o
graphema comparesce em QUINCTILHA, QUINCTESSENCIA, QUINCTUPLO ou
QUINCTANNISTA e seria incoherente supprimir o "C" apenas em QUINTETTO.
No segundo, ao contrario do que suppuzeram alguns, não practico o
hybridismo entre o italiano SONETTO e o inglez SONNET. Succede que o
proprio italiano, onde a palavra foi cunhada, tem a forma antiga
SONNETTO, que perdeu um "N" e, ja no portuguez, foi simplificada como
SONETO pelo nosso systema mixto. Pessoalmente não fiz questão de evitar
tal forma por volta de 1999, quando comecei a compor copiosamente nesse
molde, mas hoje penso que seja acconselhavel restaurar ambas as
geminações, do "N" e do "T", para manter a coherencia com QUARTETTO e
TERCETTO, sem destoar da forma ingleza SONNET.

Para finalizar por este mez, transcrevo um trecho da mensagem enviada
pelo mesmo Felippe que ja me entrevistou neste blog de notas. Em
seguida, passo a responder.

{A duvida que me veiu é a seguinte: Percebemos que o digrapho "CH",
então, recebeu em nossa lingua os valores phoneticos da guttural surda
"K" e da sibilante palatizada surda "X", como em "CHALÉ" ou "CHICARA";
logo, seria errado attribuir a elle, o digrapho "CH", outro valor
phonetico que não permanesceu em nossa lingua pela tradição, no intuito
de tornar algumas outras palavras mais "latinizadas", como em
"CHIRURGIA" e "ARCHEBISPO"? Ou seja, seria errado darmos ao digrapho
"CH" o valor de "S", como em "SAPO"? Apoz ponderar, cheguei á conclusão
que sim! Seria errado attribuir um valor phonetico que não nos foi
legado pela tradição... Porem, ao analysar o DICCIONARIO DA LINGUA
PORTUGUEZA de MORAES SILVA, de 1789, vejo que la foi registrada a forma
"CHIRURGIA" como synonymo de "CIRURGIA"! Não sei si essa palavra foi
registrada assim por outros lexicographos pois meu conhescimento é
escasso, mas, com base neste diccionario em especifico, não teriamos
respaldo para então attribuir ao "CH" tambem o som de "S" e graphar
"ARCHEBISPO" e "CHIRURGIA", com seus respectivos derivados? Claro que o
dicto DICCIONARIO data de 1789, mas isso seria um empecilho?}

Minha resposta: Sim, seria um empecilho, não pela data, mas pela idéa de
que Moraes haja verbetado ambas as formas para acceitar a pronuncia
sibilante do digramma "CH". O que Moraes fez foi acceitar algo que, em
nossos tempos de phoneticismo, seria equivalente a registrar "CIRURGIA"
ao lado de "QUIRURGIA" para validar ambas. Ora, sabemos que hoje ninguem
usaria "QUIRURGIA" (ainda que se use "QUIROPRAXIA" para CHIROPRAXIA), de
modo que restaria apenas a forma usual, "CIRURGIA", entre as poucas
excepções à escripta etymologica e à pronuncia guttural do digramma
grego "CH". Em tempo: digo "digramma" e não "digrapho", que é outra
coisa. (Digraphia significa duas formas para a mesma palavra, como CYSTO
e KYSTO ou MYRTA e MURTA) Antes de proseguir, transcrevo um paragrapho
do MANUAL ORTHOGRAPHICO BRAZILEIRO de auctoria do philologo Julio
Nogueira, que data da decada de 1920. Depois concluo o meu commentario.

{Por vezes uma alteração prosodica determinou a perda do "H". A
influencia do "E" e do "I" posteriores ao "C" fez-se sentir, apesar da
intercorrencia do "H", em ARCEBISPO, ARCEBISPADO, ARCEDIAGO,
ARCEDIAGADO, ARCIPRESTE, ARCIPRESTADO. Reapparesce o "H" e, com elle, o
som guttural na formação erudita - ARCHIEPISCOPAL. Foi ainda a mesma
influencia que transformou a prosodia e a escripta de CHIRURGIA em
CIRURGIA (CIRURGIÃO, CIRURGICO). A explicação é que estas palavras se
vulgarizaram ao passo que as demais, pela sua applicação erudita,
estiveram fora do alcance dessa chymica popular da linguagem. Outro
exemplo se encontra em CATECHISMO, que se pronunciava dando ao "CH"
correspondente ao chi o valor de "KÊ", ainda conservado em CATECHESE,
CATECHIZAR. Mas a acção popular reduziu o "KÊ" para "CÊ" e da pronuncia
CATECISMO resultou essa graphia. Cabe ainda mencionar a graphia
BATRACIOS, indicadora de uma prosodia diversa da rigorosamente
etymologica: BATRACHIOS.}

Concluindo, meu attento Felippe, embora eu não seja enthusiasta das
influencias prosodicas na orthographia, devo acceitar taes excepções
como aquillo que de facto são: excepções, portanto raras e plausiveis.
Assim, você accertou ao suppor que seria absurdo extender a graphia "CH"
a taes casos, si a pronuncia a distorceu. Para mim, um dilemma ainda
maior que a digraphia entre CIRURGIA e CHIRURGIA é a homographia entre
CHORO (canto) e CHORO (pranto), que, para peorar, não resulta em
homophonia! Isso levou à acceitação da excepção CORO para a primeira
forma, mas cheguei a propor, radicalmente, a forma KHORO para
differenciar de CHORO, como ja commentei neste blog. Affinal, temos
outros casos de hellenismos graphados com "K", como KALEIDOSCOPIO, KOSMO
ou KYSTO, é ou não é? Continue levantando essas lebres, Felippe, para
que possamos mactar varios coelhos com uma cajadada!

Aos interessados deixo o link para um menu na nuvem donde podem baixar
os archivos do DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO e de outras obras pertinentes.

https://www.dropbox.com/sh/m8jq3615v16g2zt/AACEKn9GzBQUpQmyutQU6Bnha?dl=0

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