sábado, 2 de julho de 2016

JULHO/2016: ANNOITESCERÁ ADVERMELHADO E ADMANHESCERÁ ALLARANJADO



Desta vez é o leitor Affonso quem me traz suas duvidas. A primeira é
sobre seu proprio nome: lembrando o caso do leitor Euclydes (que se
differenciava do grego Euclides), Affonso me indaga o motivo pelo qual o
mesmo nome apparesce com "PH" em Alphonso. Sua curiosidade se aguçou
depois que commentei aqui sobre os casos em que o "PH" não deve ser
confundido com o "F". Outra questão levantada pelo Affonso é a seguinte:


- Você escreve o verbo ADMANHESCER com o prefixo "AD", mas ANNOITESCER
com geminação do "N". Explique-me essa differença, Glauco, e tambem
sobre outros verbos começados por "AD".


Optimo, Affonso, você tocou em ponctos interessantes. Começando pelos
verbos, recapitulemos a historia toda de maneira bem objectiva. Antes
das reformas phoneticas da decada de 1940 (aqui e em Portugal), vigorava
na lingua portugueza um systema informal dicto "mixto", que dava ao
escriptor larga liberdade para adoptar (ou não) alguns graphemas mais
complexos, alem daquelles tradicionalmente acceitos. Assim, ao lado de
expressões como GRAMMATICA, PSYCHOTHERAPIA, DACTYLOGRAPHIA, PHILOSOPHIA,
MYTHOLOGIA, MATHEMATICA, RHETORICA, PHYSICA, CHYMICA, BELLAS LETTRAS ou
SCIENCIAS EXACTAS, que mantinham as lettras duplas e mudas, bem como o
"Y", o "PH", o "TH", o "RH" e o "CH" (com valor de "QU"), varias outras
palavras podiam ser simplificadas, como CHARTA, PHANTASIA, QUATTRO ou
SANCTO, que ja apparesciam nos textos mais descuidados como CARTA,
FANTASIA, QUATRO e SANTO. Até intellectuaes respeitaveis incorriam nesse
relaxamento, talvez por commodismo, talvez por desattenção.


O mesmo se dava com o suffixo "ESCER" dos verbos inchoativos, que ora
seguiam a matriz latina, como em EFFERVESCER, ora seguiam um criterio
dicto "vernaculo", como em EMMAGRECER. Quanto ao prefixo "AD", era
mantido em verbos herdados do latim, mas substituido por um "A"
prothetico nos verbos formados ja no portuguez. Assim, ACCRESCER
[AD+CRESCER] mantinha a assimilação geminada, mas ACREDITAR
[A+CREDITO+AR] não obedescia a mesma logica, como APPROVAR [AD+PROVAR]
em relação a APROVEITAR [A+PROVEITO+AR]. Para augmentar a confusão, nem
sempre o prefixo "AD" soffria assimilação geminativa, como deante das
consoantes "J", "M", "Q" ou "V", mas taes excepções não eram
arbitrarias, pois estavam consolidadas nas novilatinas e até no inglez.
Assim, balanceando a relação entre o "AD" e o "A" prothetico, tinhamos
um quadro verbal deste typo:


ABBREVIAR geminava, mas ABRAZILEIRAR não;
ACCOMMODAR geminava, mas ACARIOCAR não;
ADDICIONAR geminava, mas ADEANTAR não;
AFFIRMAR geminava, mas AFRANCEZAR não;
AGGREGAR geminava, mas AGUARDAR não;
ADJECTIVAR juxtapunha, mas AJUNCTAR não seguia o criterio;
ALLITTERAR geminava, mas ALINHAR não;
ADMINISTRAR juxtapunha, mas AMESTRAR não seguia o criterio;
ANNOTAR geminava, mas ANOITECER não;
APPOR geminava, mas APORTUGUEZAR não;
ADQUIRIR juxtapunha, mas AQUINHOAR não seguia o criterio;
ATTRAHIR geminava, mas ATRAVESSAR não;
ADVERTIR juxtapunha, mas AVENTURAR não seguia o criterio.


Ora, a reforma nivelou tudo por baixo e eliminou quaesquer geminações
(menos RR e SS, como em ARRISCAR ou ASSENHORAR), mas os indecisos
academicos se exquesceram de padronizar os inchoativos, mantendo alguns
verbos em "ESCER" ao lado de outros em "ECER". Que faço eu? Padronizo
tudo, mas na direcção opposta à da pretensa simplificação: alem de
restaurar aquillo que os reformistas aboliram, adoptei "ESCER" em todos
os casos, egualando aquelles como AGGRADESCER e EMMUDESCER àquelles como
ACCRESCER e EFFERVESCER. Quanto ao "A" prothetico dos verbos
approximativos (ou assimilativos, como queiram), troquei-o por "AD" até
nos casos typicamente vernaculos, como ABBRAZILEIRAR, ACCARIOCAR,
ADJOELHAR, ADMINEIRAR, APPORTUGUEZAR, ADVERMELHAR etc. Isso explica a
juxtaposição nos casos em que a regra a exige, como ADJUNCTAR, ADMESTRAR
ou ADVENTURAR. No caso de ACQUINHOAR (como em ACQUIESCER), o "AD" se
converte em "AC". Dahi por que, ao lado de ANNOITESCER, obrigo-me a
graphar ADMANHESCER e não "AMMANHESCER", forma inexistente no idioma.


Approveitando a deixa, restaurei o rigor orthographico tambem naquelas
palavras que o systema mixto mantinha numa morphologia meia bocca, taes
como DITHONGO ou CHIMICA, que os phoneticistas reformaram como DITONGO e
QUÍMICA, mas que na forma correcta devem ser DIPHTHONGO e CHYMICA. Em
summa, alem de rigoroso sou coherente, ao contrario dos reformistas de
meia tigela que tiraram o "S" de SCIENCIA mas não tiveram colhão para
propor a consequente forma "CONCIENCIA".


Antes que alguem pergunte que auctoridade tenho eu para systematizar
nossa orthographia, allego que tenho a mesma legitimidade individual
(como escriptor e como estichologo) que tem qualquer academico, por mais
illustre que este seja. Todos somos philologos quando se tracta de zelar
pela integridade da nossa lingua nativa e quando temos conhescimento de
causa para theorizar e practicar aquillo que professamos, ué! Ninguem é
obrigado a me seguir, como ninguem pode me obrigar a escrever de accordo
com um "acordo" com o qual não concordo, ora!


Falta explicar ao Affonso por que alguns de seus xarás se assignam como
Alphonso. Paresce que a origem do nome não é latina, mas visigothica: a
palavra FUNS, latinizada como PHONSUS ou FONSUS, significaria "prompto",
"preparado" ou "apto". Assim, palavras como ADAL (nobre) ou HILDE
(battalha) poderiam ser combinadas para gerar conceitos typo "nobremente
preparado" (ADALPHONSUS) e "prompto para a battalha" (HILDEPHONSUS). Na
forma FONSUS, o prefixo "AD" geraria a assimilação de ADFONSUS para
AFFONSUS, mas na forma PHONSUS o "AD" se alteraria para "AL", talvez por
analogia contracta com ADAL+PHONSUS. O facto é que esse nome passou para
o francez e o inglez com "PH" e para o hespanhol com "F": ALFONSO. Em
portuguez ficou como AFFONSO, que os phoneticistas simplificaram para
AFONSO, obcecados que são contra as lettras duplas. Na practica, os
xarás devem saber que, si forem bem preparados, estarão aptos para
graphar das duas maneiras, ALPHONSO e AFFONSO, com a mesma convicção que
tenho ao graphar Mattoso com "T" geminado.


Portanto, não quero saber quem pintou a Casa Verde. Não accaptarei o
acto dos academicos e, como diria Gil, emquanto a goyabada for feita de
goyaba, escreverei com minha sciencia e minha consciencia, ainda que
annoitesça advermelhado e admanhesça allaranjado, ou por isso mesmo...


Aos interessados deixo o link para um menu na nuvem donde podem baixar
os archivos do DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO e de outras obras pertinentes.


https://www.dropbox.com/sh/m8jq3615v16g2zt/AACEKn9GzBQUpQmyutQU6Bnha?dl=0


///

Nenhum comentário:

Postar um comentário