sábado, 20 de setembro de 2014

SEPTEMBRO/2014: ADMANEIRANDO A ADMOSTRAGEM


Antes de abbordar outros themas deste mez, approveito para advisar aos
leitores que, em logar do systema mixto que venho utilizando neste blog,
passo a escrever com maior rigor etymologico, para exemplificar como
ficaria um texto submettido a normas mais inflexiveis, como as que vão
expostas nas notas 10 e 13.9 do meu DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO. Sei que
isso aggradará a internautas como o Evandro de Albuquerque Queiroz e o
Pedro da Sylva Coelho, mas resalvo que tal criterio foi menos usual
entre os seculos XIX e XX, practicado por abbalizados especialistas como
Ramiz Galvão mas desconsiderado por outros, como Julio Nogueira.


Ora, accontesce que sahiu na revista litteraria PESSOA uma curiosa
materia de Raphael Monte sobre a prequarentista obra humoristica NOVA
MANEYRA DE FALLAR, assignada pelo Barão d'Ascurra, que satyrizava o
accordo orthographico de 1931 entre a Academia Brazileira de Lettras e a
Academia das Sciencias de Lysboa. Aqui não vem ao caso a identidade do
pseudonymo, que se suppõe ser do philologo Saul Borges Carneiro, com um
dedinho do impagavel Barão de Itararé e de outros escriptores. Tambem é
irrelevante emphatizar que o livrinho foi vazado numa escripta mais
quinhentista que novecentista, na qual palavras como "rey" ou "maneyra"
ainda guardavam resquicios medievaes. Quem quizer conferir a materia
pode accessal-a pelo link:


http://www.revistapessoa.com/2014/08/nova-maneyra-de-fallar/


O que nos importa resaltar é que aquelle opusculo retracta com circenses
tinctas a confusão que os lusophonos attravessavam na primeira metade do
seculo passado, até que a dictadura getulista impuzesse deste lado do
Atlantico aquella malfadada reforma phonetica de 1943. Na verdade, o tal
"accordo" de 1931 não foi o unico que fracassou. Varias tentativas
vinham sendo commettidas para "simplificar" a orthographia, todas
condemnadas ao insuccesso, a menos que tyrannicamente officializadas,
como occorreu na decada de 1940.


Ja expuz, à nausea, os argumentos scientificos que desrecommendam a
phonetização da escripta portugueza, como da franceza ou da ingleza, a
despeito dos casos hespanhol e italiano, que teem fundamentação
historica e não politica. Ou, como dizia Fernando Pessoa (elle tambem
adepto da etymologia), orthographia é questão de espirito, não de
estado. Mas o livro do Barão d'Ascurra traz à baila outro angulo do
argumento, que tambem ja utilizei, mas que vale reproduzir nas palavras
do proprio auctor, a quem não aggradava uma orthographia por decreto:


"Exceptuados os amanuenses e typographos, encarregados de copiar e
imprimir os actos officiaes, a quem mais obrigaria uma lei federal que
instituisse normas orthographicas? Aos estudantes e professores dos
cursos superiores e secundarios? E si os professores desses cursos,
considerando na questão orthographica o lado scientifico, enxergassem na
lei um attemptado à liberdade de pensamento?"


Em summa, cabe a nós, etymologistas, um verdadeiro activismo de
resistencia ao auctoritarismo da ABL e dos governos de plantão que
delegam a um punhado de academicos envaidescidos e gananciosos uma
tarefa para a qual ninguem os elegeu, bem como aos parlamentares que se
arvoram como fiscaes do pensamento na sua forma mais intocavel, que é a
escripta. Luctemos, pois, contra essa panellinha dentro da egrejinha!
Abbaixo a dictadura!


A questão formulada por Raony Gonçalves vem a proposito de certas
concessões a formas simplificadas, ainda que o criterio geral seja
etymologico: "Glauco, ja que AJEITAR e ADJECTIVAR são graphemas
parallelos e você admitte que podem ser uniformizados si escrevermos
ADJEITAR, por que não fazermos o mesmo com ENSINAR e ASSIGNAR?"


Caro Raony, é só uma questão de coherencia. Si acceitarmos o systema
mixto que predominou na phase prequarentista, acceitaremos algumas
simplificações, não porque capitulemos aos phoneticistas e reformadores,
mas porque a tradição do idioma ja as crystallizou, como SINA em vez de
SIGNA, TRUNFO em vez de TRUMPHO ou FEIJÃO em vez de PHEIJÃO. Mas si
uniformizarmos aquelles verbos como AFFAMAR e AFFORTUNAR, ABBREVIAR e
ABBRAZILEIRAR, APPROVAR e APPROVEITAR, o mais logico seria seguirmos o
mesmo criterio para ASSIGNAR e ENSIGNAR. Apenas em certos casos seria
recommendavel uma digraphia para effeitos semanticos, como entre os
verbos CATAR e CAPTAR, APPRENDER e APPREHENDER. Assim reduziriamos as
inevitaveis excepções e extenderiamos o padrão etymologico a um maior
universo lexico. Vale a pena insistir, sim, Raony!


Envie sua questão a mattosog@gmail.com ou seu pedido para receber uma
copia digital do DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO de Glauco Mattoso.


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sábado, 6 de setembro de 2014

SEPTEMBRO/2014: A GOZAÇÃO E O GOZADOR

A proposito de outra pertinente questão envolvendo digraphias
interpella-me o internauta Joaquim José dos Santos (que resolveu
assignar-se doravante como Joachim Joseph dos Sanctos por minha causa,
oh, quanta responsabilidade...): "Glauco, ja que você sustenta que
CHYMICA está mais de accordo com o latim e o grego do que CHIMICA, que
tem a dizer da differenciação normalmente feita entre o latim SATIRA e o
grego SATYRO?"


Meu caro Joachim, sua questão é mais que opportuna, pois envolve até meu
proprio sobrenome, Silva (ja que Mattoso é pseudonymo litterario), mas
explico primeiro por que o substantivo commum que designa a gozação em
sentido figurado, ou seja, SATIRA, tem sido escripto sem o "Y" existente
no nome mythologico SATYRO, que designa o gozador no sentido proprio.


Succede que, no alphabeto romano, as lettras "U" e "V" eram
representadas só pelo "V", donde a graphia AVGVSTVS para AUGUSTUS. Ora,
a pronuncia do upsilon grego era semelhante ao "U" francez ou ao "Ü"
allemão, soando como uma fusão de "U" e "I". Dahi a solução latina de
collocar um "V" sobre um "I", creando a lettra que passaria a ser
chamada de ypsilon. Todos os graphemas que passaram do grego ao latim e
à actualidade foram translitterados assim, como CYCLO, DYNAMO, HYDRO,
KYSTO, LYRA, MYTHO, NYMPHA, PSYCHO, RHYTHMO, SYNTHESE ou TYPO. Algumas
formas, porem, permanesceram oscillantes, vacillando entre uma e outra
vogal, como em MURTA e MYRTA. É o caso de SATYRUS que, na accepção
feminina SATYRA, mixturou SATURA e SATIRA para designar a miscellanea
poetica a serviço da mordacidade e da malicia. SATURA tem a ver,
inclusive, com o verbo SATURAR. Evidentemente, o correcto seria
preservar a transcripção SATYRA, com os respectivos cognatos SATYRICO e
SATYRISTA, ao lado de SATYRISMO e SATYRIASE, referentes a SATYRO. Assim
fez Bilac quando, em seu TRACTADO DE VERSIFICAÇÃO, graphou SATYRA para
alludir à poesia mordazmente critica. Aqui me penitencio por ter dicto
que elle havia commettido um equivoco e ja registrei a resalva no meu
diccionario. O problema é que os maldictos phoneticistas sempre forçam a
barra para nos induzir ao erro, quando affirmam categoricamente,
inclusive em diccionarios de larga credibilidade, que SATYRO nada teria
a ver com SATIRA. Cumpre-nos desmascarar taes manobras, que escamoteiam
a verdade historica a serviço da malfadada simplificação pretendida
pelos reformistas da orthographia. Pau nelles!


Quanto ao sobrenome SILVA, que remette à mesma origem latina donde nos
veiu SELVA, tracta-se de outro caso de transcripção indecisa, pois os
hellenismos XYLO e HYLO, referentes à madeira e, por extensão, às
arvores e às mattas, foram corrompidos para SYLO ou SYLVO, donde os
anthroponymos SYLVIO e SYLVIA. A propria origem florestal do toponymo
TRANSYLVANIA confirma essa matriz. O inglez preservou-a no toponymo
PENNSYLVANIA e no anthroponymo SYLVESTER. Note-se que ella se
differencia da matriz do verbo SILVAR e do substantivo SILVO, que é o
latim SIBILARE. Torna-se obvia a conclusão de que toda a familia, desde
SYLVA até SYLVEIRA, passando por SYLVICOLA e SYLVESTRE, teria que ser
escripta com "Y", o que tractarei de fazer daqui por deante, emquanto
amaldiçoo os lexicographos reformistas que nos sonnegam as formas
tradicionaes.


Por fallar nos lexicographos, duas das fontes mais fidedignas (Houaiss e
Aulete) teem sido, às vezes, inductoras de equivoco quanto à minha
almejada fixação das formas mais complexas em detrimento das mais
simplificadas. Nesse sentido, conto com as vigilantes observações de
pesquisadores como o portuguez Pedro da Silva Coelho, que me aponctou,
entre outros, os interessantes casos de ACCOSTUMAR, APPERCEBER,
SOLLICITAR e SOLLERTE. Nos dois primeiros, Houaiss (2001) indicava
formação vernacula, respectivamente A+COSTUME+AR e A+PERCEBER, emquanto
o OXFORD ENGLISH DICTIONARY mactava a charada, revelando os latinismos
ACCUSTOMARE e APPERCEPTIO, que não foram considerados por Aulete ao
registrar "ACOSTUMAR" e "APERCEBER". Nos outros casos, emquanto Aulete
(1881) registrava "SOLICITO" e "SOLERTE" (no que foi accompanhado pelo
Lello por volta de 1940), o proprio Houaiss revelava os latinismos
SOLLICITUS e SOLLERS/SOLLERTIS. Entretanto, esse mesmo Houaiss registra
a etymologia "LETALIS" para o adjectivo LETHAL, emquanto o OXFORD
indica, mais correctamente, LETHALIS, ja que tem a ver com o grego
LETHES. Por ahi se entende a razão pela qual o trabalho do etymologista
se assemelha a um garimpo que (inversamente ao desserviço dos
phoneticistas) separa o joio do trigo entre formas simplificadas
deschartaveis e formas complexas preferiveis. Grato fico, pois, ao
attento olhar de interlocutores como o Pedro.


Mais uma questão. Agora é o assiduo Evandro de Albuquerque Queiroz quem
volta com opportuna observação: "Glauco, continuo intrigado com aquelles
verbos começados pelo "A" dicto approximativo, typo AFUNDAR ou
AFORTUNAR, pois me parece incoherente escrever AFFUNDIR e AFFAMAR com
geminação e aquelles outros sem geminação."


Ao Evandro só tenho a responder que, em ultima analyse, elle está
coberto de razão. Si fossemos exhaustivamente rigorosos, todos os casos
de "A" prothetico seriam herdeiros do prefixo "AD" latino, mesmo que não
sejam formados originalmente no latim. Assim, não deveria haver
distincção entre verbos mais vernaculos como ABBENÇOAR, ACCREDITAR,
ADDOESCER, AFFORTUNAR, AGGALLINHAR, ALLINHAR, ANNOITESCER, APPRESENTAR
ou ATTIRAR, e verbos mais latinos como ABBREVIAR, ACCLAMAR, ADDENSAR,
AFFLIGIR, AGGREGAR, ALLIAR, APPLAUDIR ou ATTINGIR, lembrando que nos
casos de vernaculismos como ADJUDAR, ADMASSAR, ACQUARTELAR ou ADVIVAR
não occorreria geminação pelas regras etymologicas. Portanto, a
systematica disciplina ja começaria por adverbios typo ABBAIXO, ACCYMA,
ADDENTRO, AFFORA, ADDEANTE, ATTRAZ, etc., ja que o latinismo ACCERCA
[ACCIRCA] teria que compartilhar o paradigma em "AD" com os demais. Para
dar essa opção aos orthographos, estou incluindo taes formas no
DICCIONARIO desde ja, certo, Evandro?


Envie sua questão a mattosog@gmail.com ou seu pedido para receber uma
copia digital do DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO de Glauco Mattoso.


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