sábado, 21 de dezembro de 2013

DEZEMBRO/2013: ANECDOTAS PORTUGUEZAS

Recebi novo commentario de Portugal, assignado por Hyperião (que se
identifica com o "anonymo do outro lado do Atlantico" mas não se
confunde com o Cavallo Doudo, que é bahiano) questionando-me sobre
ponctos discutidos pelos reformistas daqui e dalli. Bem, antes de tudo
entendo que duvidas accerca de termos simplificados nem seriam da minha
alçada, ja que a simplificação interessa aos phoneticistas e sou
etymologista por principio. Mas commentarei as seguintes questões.


Quanto ao hyphen, nunca houve (nem precisa haver) norma rigida. Tal como
no inglez (que admitte WEEK END, WEEK-END e até WEEKEND), fica a
criterio do escriptor "costurar" ou não expressões substantivadas (como
FIM DE SEMANA, PONCTO DE VISTA, MESA DE PÉ DE GALLO, OCULO DE VER AO
LONGE ou MADEIRA DE DAR EM DOIDO) utilizando hyphens. De minha parte,
prefiro dispensar o tracinho. O que não dá para acceitar é que se
officialize o hyphen numa expressão como LOGAR COMMUM e se prohiba seu
uso em PHRASE FEITA, ou vice-versa, ou VICE VERSA, ou VICEVERSA. Sempre
cabe, comtudo, um criterio pessoal que presupponha coherencia: si
escrevo BEMQUISTO, BEMVINDO e BEMADVENTURADO, preferirei BEMESTAR a
BEM-ESTAR ou BEM ESTAR. Em summa, hyphens só deveriam ser obrigatorios
em casos inequivocos, como nas mesoclises e enclises: USA-SE, USAR-SE-A.
Suggiro a consulta ao topico 4.6 do appendice ao meu DICCIONARIO
ORTHOGRAPHICO, cuja integra me disponho a enviar a quem quizer
solicital-a via mattosog@gmail.com


Quanto às iniciaes maiusculas em estações do anno ou em mezes, que para
os inglezes são necessarias e para alguns portuguezes tambem, eu
considero que deveriam ser facultativas. Empregal-as, ou não, é algo que
não compromette a clareza. A rigor, maiusculas são necessarias apenas em
nomes proprios ou quando o escriptor quer ennobrecer ou symbolizar um
substantivo, como a "Moral" ou o "Peccado".


Quanto ao accento diacritico em PARA (preposição) para differencial-a do
verbo PARAR na terceira pessoa do presente do indicativo, como em FORMA
(molde) para differenciar de FORMA (maneira), sei que a desaccentuação
pode confundir, mas, por principio, continuo convicto de que o contexto
deve esclarecer o sentido, tal como no caso lembrado pelo Hyperião, da
"secretaria da secretaria". Não é o caso de KAGADO e CAGADO, onde a
etymologia evita o malentendido (ou o MAL-ENTENDIDO, ou o MAL
ENTENDIDO).


Quanto às simplificações radicaes propostas por alguns charlatães daqui
a collegas portuguezes (como "jirafa", "xamar" ou "múzica"), nem posso
commentar, pois aqui ja se tracta de divergencia entre phoneticistas.
Meu intento é complexificar, não simplificar. Si verifico que o nome
scientifico da giraffa leva "F" duplo, jamais perco essa opportunidade
de adoptar tal graphia. Alem do mais, por principio evito o "J" quando
posso usar "G", a exemplo de GILÓ ou GIBOYA, como prescrevo no topico
2.2.2 do DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO.


E continuo achando, meu caro Hyperião, que a desaccentuação do systema
etymologico mais approximaria que afastaria portuguezes de brasileiros,
pois escrevo COMICO sem agudo nem circumflexo, conciliando as pronuncias
daquem ou dalem Atlantico. Para que differenciar um PENIS circumciso,
digo, circumflexo, dum PENIS bicudo, digo, agudo, si ambos teem as
mesmas funcções mictorias, ejaculatorias, masturbatorias ou...
introductorias?


Ah, suggiro o email (ou E-MAIL) mattosog@gmail.com para proseguirmos num
dialogo mais fecundo e profundo, como no caso do Cavallo Doudo.


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sábado, 7 de dezembro de 2013

DEZEMBRO/2013: CALIBRANDO O "RETROMETRO"


Meu attento leitor, que por email se assigna "Cavallo Doudo" ou
"Doudivanas Retardado", questiona-me accerca de "dous themas": si
escrevo PERGUNTAR ou PREGUNTAR (do latim PRAECUNTARE ou de PERCONTARE)
e, si escrevo LOGAR em vez de "lugar", por que acceito ALUGAR, si o
etymo latino é o mesmo LOCALIS/LOCARE em ambos os casos.

Preliminarmente, observo que elle adopta as formas "cousa", "doudo" ou
"dous" sempre com "U", mas tal uso (assim como a inversa tendencia em
"oiro", "doirado" ou "toicinho") não tem relação com graphias reformadas
ou não, tractando-se de mero costume daquem ou dalem Atlantico. Ja
formas como "palabra" ou "libro" (que elle emprega insistentemente)
seriam opções archaizantes demais e soariam como hespanholismos em vez
de latinismos. Por isso não as endosso.

O importante, meu hippico e agalopado amigo, é que tenhamos em vista o
character consuetudinario e, tanto quanto possivel, corrente do idioma
escripto. Assim, si coexistem o latim vulgar PRAECUNTARE e o classico
PERCONTARE, tanto quanto coexistem o portuguez popular/regional
PREGUNTAR e o erudito PERGUNTAR, valem ambas as formas, cada qual no seu
contexto, colloquial ou litterario, respectivamente. Obvio que, num
texto formal, uso PERGUNTAR e, num discurso dialectal, admitto
PREGUNTAR. Em summa, não são formas excludentes.

Quanto a LOGAR e ALUGAR, pauto-me pelo uso prequarentista: era LOGAR
antes da reforma phonetica e, como ha o verbo ALOCAR com differente
sentido, parece-me preferivel não rigorizar uma forma como "allogar" (do
latim ALLOCARE), que geraria confusão e collidiria com o ja consagrado
substantivo ALUGUEL. Mantenho, pois, o substantivo LOGAR (coherente com
LOCAL) e o verbo ALUGAR (coexistindo com SUBLOCAR e com LOCATARIO),
conforme a praxe vigente na phase etymologica.

Não se tracta de procedimento incommum, aliaz, pois frequentemente
occorrem casos de coexistencia entre formas complexas e simplificadas,
como, ao lado das graphias SIGNO e ASSIGNATURA, as graphias ENSINO e
SINA. O que não posso acceitar é a phonetização forçada que reduziu
artificialmente as graphias de SIGNAL para "sinal" ou de ASSIGNATURA
para "assinatura". Não importa si o "G" soa ou não na pronuncia. Importa
a tradição escripta.

Apenas quando necessario eu forço, na direcção inversa, uma
etymologização, como em SANCTO ou EXGOTTAR, pois nesses casos a matriz
latina é inequivoca e independe de variantes cognatas. Como procedimento
padrão, considero que devemos recuar, na medida sufficiente, até phases
bem remotas, para a fixação da forma historica mais complexa (como em
HONTEM ou CONTEHUDO) e de etymologismos mais rigorosos (como em EXEMPTO
ou EXCAPPAR), mas, simultaneamente, temos que avançar quanto possivel
até formas mais contemporaneas do fallar actual (como em CYBERESPAÇO,
ECOSYSTEMA ou ULTRASONOGRAPHIA [de SOM]), desde que a contemporaneidade
não implique na simplificação pretendida pelos phoneticistas (como em
"sonoterapia" ou "nanotecnologia", cuja forma correcta é SOMNOTHERAPIA
[de SOMNO] e NANNOTECHNOLOGIA, respectivamente). Por isso não vejo
necessidade de desabbreviar formas compactas como VOCÊ (de "Vossa Mercê"
ou "vosmecê") ou de usar apostropho em DISTO ou NAQUILLO. Apenas por
precaução uso apostropho em P'RA ou M'O (me+o), pois algum revisor pode
ficar temptado a "corrigir" P'RA para "para" ou M'O para "me",
prejudicando a metrica dum verso ou o sentido duma phrase como "Estou
puto p'ra caralho" (redondilha maior) ou "Para ser escravo, elle m'o
vendeu" (opposto de "elle me vendeu"). Em taes casos, o apostropho
previne pés quebrados e amphibologias.

Duvidas, velhas e novas, sempre surgirão. Deter-nos-emos nellas assim
que o Doudivanas e o Doidivanas m'as encaminharem. Até a proxima!

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sábado, 16 de novembro de 2013

NOVEMBRO/2013: COMMENTANDO UNS COMMENTARIOS

A proposito dos commentarios que este blog recebeu dum attento "anonymo
do outro lado do oceano" (vale dizer de Portugal), quero agradecer as
pertinentes observações. Respondo que adoptei a crase ("à", "àquillo")
em logar do agudo e supprimi o apostropho ("nelle" e "disso" em logar de
"n'elle" e "d'isso") porque não ha consenso no emprego de taes notações
e porque adopto o criterio da minima accentuação, pelo qual o agudo ja é
uma excrescencia, apenas toleravel em alguns oxytonos. Quanto ao Caldas
Aulete e a outros diccionarios, são referencias importantes, mas posso
divergir delles sempre que a coherencia e o rigor etymologico me
suggerirem differentes graphemas. Ainda a proposito de diccionarios,
aproveito para informar que ja tenho disponivel meu DICCIONARIO
ORTHOGRAPHICO PHONETICO/ETYMOLOGICO, fructo precisamente dos estudos
philologicos que venho registrando neste blog. Emquanto não o publico em
livro, disponho-me a envial-o por email a quem solicitar. Basta que
façam o pedido ao mattosog@gmail.com e terei prazer em attender a todos.
Tambem responderei com gosto a quem quizer questionar-me accerca destes
assumptos. Mais uma vez, muito obrigado pelo enthusiastico apoio que me
chega de Portugal. [Glauco Mattoso]

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NOVEMBRO/2013: "LATIM TUPYNIQUIM, A MIM AFFIM"

Primario, secundario, basico, medio... Ja nem sei qual nomenclatura
vigora para as etapas do ensino antes da universidade. Tudo que sei é
que a unica coisa que não mudou foi o nome dado ao ensino "superior".
Tenho a exacta noção de ja ser "edoso" justamente por causa da
nomenclatura então vigente nos onze annos de escholaridade que
precederam meu vestibular: quattro de primario, quattro de gymnasial e
trez de collegial, ou antes, de classico, pois o curso collegial se
dividia em "classico" para humanas e "scientifico" para exactas.

Alem de excappar da physica e da chimica (nunca me dei bem com
mathematica), a vantagem de fazer o classico era apprender latim e
philosophia. O latim não me foi util apenas na hora de cursar lettras
vernaculas na faculdade, mas principalmente na hora de estudar e de
entender esta orthographia em que escrevo. Por ironia, o latim até me
ajudou a assimilar a graphia dos tupynismos na lingua portugueza, graças
a uma versão do Hymno Nacional que vinha no compendio adoptado.
Assignada pelo professor Mendes de Aguiar, a versão era a que abaixo
transcrevo.


HYMNUS BRASILIENSIS

(I)

Audierunt Ypirangae ripae placidae
Heroicae gentis validum clamorem,
Solisque libertatis flammae fulgidae
Sparsere Patriae in caelos tum fulgorem.

Pignus vero aequalitatis
Possidere si potuimus brachio forti,
Almo gremio en libertatis
Audens sese offert ipsi pectus morti!

O cara Patria,
Amoris atria,
Salve! Salve!

Brasilia, somnium tensum, flamma vivida
Amorem ferens spemque ad orbis claustrum,
Si pulchri caeli alacritate limpida,
Splendescit almum fulgens, Crucis plaustrum.

Ex propria gigas positus natura,
Impavida, fortisque, ingensque moles,
Te magnam praevidebunt jam futura.

Tellus dilecta,
Inter similia,
Arva, Brasilia,
Es Patria electa!
Natorum parens alma es inter lilia,
Patria cara,
Brasilia!

(II)

In cunis semper strata mire splendidis,
Sonante mari, caeli albo profundi,
Effulges, o Brasilia, flos Americae,
A sole irradiata Novi Mundi!

Ceterisque in orbe plagis
Tui rident agri florum ditiores;
"Tenent silvae en vitam magis,
Magis tenet tuo sinu vita amores".

O cara Patria,
Amoris atria,
Salve! Salve!

Brasilia, aeterni amoris fiat symbolum,
Quod affers tecum labarum stellatum,
En dicat aurea viridisque flammula
- Ventura pax decusque superatum.

Si vero tollis Themis clavam fortem,
Non filios tu videbis vacillantes,
Aut, in amando te, timentes mortem.

Tellus dilecta,
Inter similia,
Arva, Brasilia,
Es Patria electa!
Natorum parens alma es inter lilia,
Patria cara,
Brasilia!


Sem fallar dos latinismos propriamente dictos e, por tabella, de alguns
hellenismos coexistentes, a primeira palavra que me chamou a attenção
foi "Ypiranga" com "Y", não pela forma genitiva "Ypirangae", mas pela
fixação do tupynismo. Percebem o que isso significa? Si o latim
preservava graphemas como "somnium", "flamma", "symbolum" ou "Themis"
como uma chancella de authenticidade e, ao lado de taes etymos, um
tupynismo com "Y", nada mais inequivoco para garantir a legitimidade de
graphemas como "tupy", "tamoyo", "tapuya", "Curityba", "Parahyba" ou
"Piauhy". Dahi a corroborar tal graphia na toponymia, foi um passo.
Assim me compenetrei da necessidade de luctar contra as predadoras
reformas orthographicas que, tal como occorre com a matta nativa do
nosso Pindorama, devastaram a flora original e natural que, desde o
GUARANY de Alencar ou os TIMBYRAS de Gonçalves Dias, vinha sendo
preservada pelos escriptores e grammaticos.

Caso os nomes scientificos da propria flora (cuja lingua official é o
latim) incorporassem os tupynismos originaes, com certeza preservariam a
graphia tradicional. Assim, teriamos, em logar de "euterpe oleracea",
"licania tomentosa", "myrciaria cauliflora", "copaifera officinalis",
"ocotea porosa" e "cheilanthes radiata", nomes como "assahy oleracea",
"oyty tomentosa", "jabotycaba cauliflora", "copahyba officinalis",
"ocotea imbuya" ou "samambaya radiata".

Ja tive opportunidade de commentar o papel dos nomes geographicos na
preservação da graphia tupynica, bem como a importancia do orgulho
regional na defesa da Bahia contra "Baía" ou de Bagé contra "Bajé". Cabe
accrescentar, ainda, que algumas localidades correm o risco de perder de
memoria as formas correctas de Cresciuma, Chapecó, Biguassu, Camborihu
ou Itajahy (para citar apenas toponymos catharinenses) si nenhum de seus
habitantes batter pé contra as horrorosas formas "Criciúma", "Xapecó",
"Biguaçu", "Camboriú" ou "Itajaí".

Foi para illustrar essa gloriosa memoria que fiz o soneto abaixo.


SONETO PARA O PARAHYBANO UFANO [3082]

Emfim, a conclusão que a gente tira
da nossa toponymia é que o tupy
até que era phonetico: "Mogy",
"Guassu", "Tupan", "Bagé", "Jahu", "Jandyra"...

Na tonica, vae ypsilon, que vira
um simples "I" quando atono: si eu li
"Timbyra", "Curityba" ou "Piauhy",
li certo, e em "Piracaya" é "peixe" o "pyra"...

Mas como? É "pira" ou "pyra"? Alem do grego
(alli "pyra" foi "fogo"), tambem tem
um "pyra" no tupy? Nesta eu fui pego!

Mas do parahybano não ha quem
subtraia seu hiato, pois o emprego
do "H" será por seculos, amen!

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sábado, 19 de outubro de 2013

OUTUBRO/2013: "CARA CARA PARA TARA RARA"

Em these, toda palavra composta de etymos gregos teria sua equivalente
latina. Assim, quem se alimenta de fructas é carpophago ou fructivoro.
Aquillo que tem varias cores é polychromatico/polychromico ou
multicolorido. Quem falla sozinho faz um monologo ou um soliloquio. Um
livro seleccionando paginas litterarias pode ser uma anthologia ou um
florilegio, pois a noção de "flor" está presente em ambas as formas.

Mas na practica são as formas gregas as que mais se incorporam ao idioma
na hora de classificarmos e baptizarmos casos especificos, por exemplo,
de aversão ou perversão. Ja demonstrei aqui como os mais differentes
medos humanos são rotulados pela simples juxtaposição do suffixo
"phobia" a um affixo determinado pelo objecto da aversão, como
"pedophobia" ou "necrophobia", respectivamente para creanças ou
cadaveres. Pois bem, basta substituir "phobia" por "philia" e temos, em
logar da retracção psychologica, a attracção, geralmente sexual e
eventualmente maniaca ou obsessiva, pelo mesmo objecto, characterizando,
por vezes, typos bem peculiares de fetichismo. No caso da pedophilia e
da necrophilia, o interesse sexual do "tarado" ja está fartamente
documentado e explorado.

Quero, agora, expor alguns rotulos menos conhecidos, aproveitando para
compor e propor outros que me occorram. O voyeurismo pode ser chamado,
mais scientificamente, de "escopophilia", ja que "escopo" é o mesmo
elemento que forma suffixo em "telescopio" ou "kaleidoscopio", ou seja,
dá idéa de observação ou visualização. O masochismo, si considerado
apenas como prazer na dor physica, pode ser chamado de "algophilia",
pois "algo" é o mesmo elemento que, na posposição, funcciona como
"algia" em "cephalalgia" ou "nevralgia". E assim por deante: "zoophilia"
para bestialismo, "rhypophilia" para chiqueirismo, "coprophilia" para o
fecalismo dos "brown nosers" (como dizem os americanos), "podophilia"
para o retifismo, "gymnophilia" para o nudismo e o exhibicionismo, etc.

Claro que muitas philias não teem connotação sexual, taes como
cynophilia e elurophilia para cães e gattos ou enophilia e cinephilia
para vinhos ou filmes, mas um onanista ou "autoerotophilo" não pensa em
outra coisa sinão "naquillo".

Nem só de philias, porem, vive a sexualidade: "lagnia" e "latria" são
dois outros etymos gregos que bem se applicam ao prazer erotico ou à
attracção fetichista, como em "algolagnia" para masochismo, "urolagnia"
para o "golden shower" e os "water sports" dos americanos,
"osphresiolagnia" para os aromas (que não são necessariamente corporaes
ou eroticos mas podem ser kosmeticos ou gastronomicos), "podolatria"
para o retifismo (pés e calçados) ou "pygolatria" (nadegas).

Puxando a brasa para a minha sardinha, ja suggeri "podosmophilia" e
"dysodophilia" para o odor dos pés, para não dizer "chulepentismo".
Tambem suggiro "ichnophilia" para a fixação na sola ou no solado como
objecto do desejo fetichista, ou ainda "platypodophilia" para a adoração
dos pés chatos. Para pés cavos, "cyrtopodophilia". Para pés callejados,
"tylopodophilia". Para pés bellos, "callipodophilia". Para pés
masculinos, "andropodophilia". Para pés descalços, "gymnopodophilia".
Para pés descalços femininos, "gymnogynopodophilia". Para pés sujos de
molecão, "rhypephebopodophilia". Para a attracção por botas,
"cothurnophilia", obviamente, ja define. Alternativas, emfim, não
faltam...

Para quem considera taes neologismos feios demais e acha que esses
vocabulos servem mais para designar morbidades e morbidezas, bem calha
este soneto:


SONETO PARA A PARAPHRASE DO BULLARIO [3081]

É como minha thia ja dizia:
quem for hypochondriaco está feito!
Não falta uma molestia, si o sujeito
faz poncto na pharmacia todo dia...

Bronchite, erysipela, cystalgia,
anthraz, asthma, aphtha, typho, dor no peito,
phleimão, syphilis, polypos, mau jeito,
phthiriase, ecchymose, hemorrhagia...

rhinite, grippe, phthisica, lymphoma,
endocrinopathia, amygdalite,
dysmnesia, diarrhéa... e mais se somma.

Não ha, tambem, antidoto que evite
os males orthographicos: quem doma
os etymos é immune a algum "graffite"?

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sábado, 14 de setembro de 2013

SEPTEMBRO/2013: "MERDA NA LINGUA E NOS DEDOS"

A exemplo de Satan, que tem innumeros heteronymos e cujo anus é beijado
pelas bruxas nos rituaes sabbaticos, a materia dejectada pelo anus
humano tambem é objecto de farta synonymia, directamente proporcional
aos tabus e aos euphemismos que a fecalidade envolve, como si nossa
aversão ou repugnancia a alguma coisa fosse, paradoxalmente, fonte de
riqueza vocabular.

Ao portuguez o latim deu duas palavras das mais significativas, uma
erudita, outra popular, respectivamente "fezes" e "merda". Excluo de
consideração outras, como "excremento", porque aqui quero commentar as
possibilidades de prefixação no plano orthographico, e a palavra
"excremento" ja traz em si o prefixo "ex", que pretendo exemplificar
cunhando alguns neologismos onde elle não existe officialmente mas
passará a existir hypotheticamente.

Si tomassemos, hypotheticamente, as palavras "fezes" e "merda" como
deverbaes, teriamos, respectivamente, os verbos "fecar" e "merdar". O
primeiro só existe quando recebe o prefixo "de", formando o verbo
"defecar". O segundo só existe quando, por influencia franceza, recebe o
prefixo "en" (que, assimilado, torna-se "em"), formando o verbo
"emmerdar". Mas ambos os verbos admittem, morphologicamente, todos os
prefixos usuaes na composição neolatina, como "ad", "con", "de", "des",
"dis", "en", "ex", "in", "ob", "per", "pre", "pro", "re", "sub" ou
"trans". Destes, alguns geram assimilação, que resulta em geminação
consonantal, como "ad+fecar", "dis+fecar", "ex+fecar", "ob+fecar" e
"sub+fecar", resultando nos neologismos "affecar", "diffecar",
"effecar", "offecar" e "suffecar", ja que o "F" inicial se duplica nesse
typo de assimilação. Ja o "M" inicial de "merdar" não se duplica nas
mesmas condições, donde os neologismos "admerdar", "dismerdar",
"exmerdar" e "submerdar". Em compensação, o "M" provoca assimilação em
"con+merdar", "en+merdar", "in+merdar" e "ob+merdar", gerando os verbos
"commerdar", "emmerdar", "immerdar" e "ommerdar". Isto vale como
parametro em todos os casos analogos de prefixação nos verbos iniciados
por "F" ou "M". O mais commum é o primeiro caso, pois as consoantes "B",
"C", "G", "L", "N", "P", "R", "S" e "T" tendem a geminar, como occorre
com o "F", salvo em casos excepcionaes. Portanto, temos "anniquilar" mas
não temos "ammittir" e sim "admittir"; temos "succeder" mas não temos
"summetter" e sim "submetter", e assim por deante.

No plano formal a coisa funcciona. E no plano semantico? Haveria
applicabilidade para taes neologismos? Para alguns, talvez. "Commerdar"
e seu equivalente erudito "confecar", por exemplo, significariam cagar
solidariamente em vez de solitariamente. Isso teria importantes
implicações anthropologicas, a julgar pelo que registra John Gregory
Bourke no livro ESCATOLOGIA E CIVILIZAÇÃO, de cuja edição italiana diz o
introductor Piero Meldini:

{A moderna bacteriologia ja jogou por terra aquelle que talvez seja o
mais tenaz preconceito relativo à hygiene pessoal, demonstrando que, ao
nivel do asseio real, ou seja, ao nivel da população microbiana que vive
sobre a pelle, o mais immaculado, depillado e desodorizado "dandy" está
quasi tão "sujo" quanto o menos perfumado "clochard", sem comtudo
possuir as defesas deste em termos de immunização.}

{Entretanto, qualquer observação de culturas extranhas a essa
rhypophobia occidental nos mostra como, mesmo quando é valida a
distincção entre sociedade repressiva e sociedade tolerante, inclusive
quanto às funcções excretoras e ao erotismo anal, em toda parte, em
maior ou menor medida, está vigente o chamado "odio aos intestinos". A
affirmação de Brown de que "a repressão pesa mais gravemente sobre a
analidade que sobre a genitalidade" parece ser universalmente certa.}

{Come-se em grupo; dorme-se em companhia, uns dos outros, poucos ou
muitos; faz-se amor a dois ou mais. No entanto, a solidão accompanha,
por norma, a actividade excretora.}

{Sem duvida, rechaçamos a rhypophobia: é prejudicial à saude. É nocivo à
sexualidade abbatter a golpes de desodorante cada honesto estimulo
olfactivo. Nem siquer é agradavel, mesmo quando alguem possa extrahir de
uma saturação de essencias um prazer neurotico, o que equivale a dizer
um desprazer despercebido como tal.}

{A coprophagia collectiva realizaria o communismo integral, segundo
Maeterlinck.}

O termo "rhypophobia", empregado por Meldini, baseia-se no affixo grego
"rhypo", que designa sujeira ou immundicie. A proposito de hellenismos,
vale lembrar que, si substituirmos o elemento "phobia" por "philia",
teremos "rhypophilia", o prazer na porcaria. Quanto ao cocô propriamente
dicto, alem da distincção ja commentada entre "escato" (fecal) e
"eschato" (philosophico), o termo mais especifico é "copro", que pode
ser associado a "phobia", "philia" ou "phagia" para designar, conforme o
caso, aversão, perversão ou ingestão.

Voltando ao latim e ao prefixo "ex", eu concluiria dizendo que os verbos
"effecar" (ex+fecar) e "exmerdar" poderiam ter sentido figurado, para
quando quizessemos cagar abertamente, isto é, exhibir a merda esthetica
ou artisticamente, como na poesia escatologica que faço. Accrescento,
illustrativamente, trez sonetos da serie allusiva ao thema
orthographico.


SONETO PARA O PARAISO OLYMPICO [3078]

Os gregos radicaes fazem de tudo
assumpto scientifico: o mais chulo
jargão fica solenne. Si eu engulo
caralho, sou "phallophago" e estou mudo.

"Necrophilo", "coprophilo"... um estudo
das taras mais communs nunca tem nullo
effeito: do sapphismo dando um pullo
eu caio no homoerotico desnudo.

Vulgar, "nymphomania" jamais é.
Chamaram de "escopophilo" o voyeur.
Chamei "podolatria" o amor ao pé.

Quem transa "urolagnia" mijo quer.
Prefere um "podosmophilo" o chulé.
O "androgyno" é que é macho: é até mulher!


SONETO PARA O PARAFUSO SOLTO [3079]

Quem soffre da cabeça e por escripto
registra seu problema, o que teria
de achar? Que tem "phrenia" ou tem "phobia"?
"Psychose"? "Dysthymia"? Que conflicto!

Quem tem na metaphysica o maldicto
costume de indagar por que Zeus cria
minhocas, achará a philosophia
capaz de responder? Não acredito.

Epistemologia, syllogismo,
hypotheses, premissas, nada evita
o typico dilemma, o eterno abysmo...

Ao menos nós podemos ter na escripta
parametros concretos, pois eu scismo
que nossa mente ainda é troglodyta.


SONETO PARA A PARAPHERNALIA SCIENTIFICA [3080]

"Esthetica" e "anesthesico" interpreto
eu pelo radical, como "hemogramma"
e "electrocardiogramma". O que mais chama,
porem, minha attenção, é o termo "estetho".

"Estheto" é sensação, mas incorrecto
seria "esthetoscopio", pois (exclama
o practico hellenista que honra a fama),
o esterno ou peito é "estetho"... Eu fico quieto!

Portanto, "estethoscopio" é o que se grapha.
Tambem "eschatologico" não vale
tal como "escatologico"... Que estafa!

"Estilo" é do latim, caso alguem falle
da penna e não do estylo... Assim, se safa
dum "ypsilo" o estilete... E eu que me ralle!

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sábado, 31 de agosto de 2013

AGOSTO/2013: "NEM NO INGLÊS, NEM NO INGLEZ"

Ja expliquei em outras opportunidades os motivos pelos quaes o idioma
portuguez não devia accompanhar o hespanhol e o italiano na forma
phonetica da escripta, mas sim o francez e o inglez na forma
etymologica. Todos teem matriz na forma grecolatina, inclusive o inglez,
cujo vocabulario tende a ser maior porque, ao lado dos etymos
anglosaxonicos (como em "freedom"), existem os etymos latinos (como em
"liberty"), donde a farta synonymia anglophona. Para nós, neolatinos (ou
novilatinos, melhor dizendo), o latim "libertas" deu "liberté",
"libertà", "libertad" e "liberdade", mas esta palavra nada soffreu,
felizmente, com as reformas orthographicas, si desconsiderarmos os
estupidos accentos agudo e grave do francez e do italiano. Acontece que
o italiano e o hespanhol teem desculpa, pois ja nasceram practicamente
reformados, ao passo que o portuguez chegou ao seculo XX graphado como o
francez, dahi a inconveniencia de reformar "philosophia" para
"filosofia", que continuava e continua sendo "philosophie" no francez,
como continua "philosophy" no inglez.

Com a nossa inopportuna reforma soffreram muitas outras palavras,
todavia. Antes tinhamos (e eu continuo a ter) "sciencia" e
"consciencia", "humano" e "deshumano". Si era para fazer uma reforma
phonetica, então fizessem bem feita, e não essa reforma meia-bocca que
vive sendo refeita. Queriam mexer no "SC" e no "H"? Mudassem duma vez
para "ciência" e "conciência", "umano" e "desumano", coherentemente,
ora! Portanto, foi duplo o problema creado em 1943: alem de
extemporanea, a reforma lusophona foi arbitraria e illogica, para não
fallarmos da dictadura que a officializou e da lucratividade
auctoral/editorial dos diccionarios e compendios reimpressos.

Mas quero aponctar agora outra questão. Si, por um lado, é importante
tomarmos como parametros o francez e o inglez, e não o hespanhol e o
italiano, por outro lado occorrem incoherencias em todos esses idiomas,
reformados ou não. O vocabulo "philosophia", por exemplo, é "filosofía"
no hespanhol, com um inacceitavel accento agudo no "I", vogal que jamais
deve levar accento, pois ja tem seu pingo natural. No italiano, então, a
coisa peorou muito, pois elles grapham "filosofìa", com "I" grave, um
horror! Às vezes até trocam o "L" e o "S" de posição e escrevem, por
hyperthese, "fisolofìa", imaginem!

Esse typo de problema se verifica tambem entre o francez e o inglez,
dahi a necessaria prudencia na hora de fazermos comparativos. Tomemos,
por exemplo, as palavras "litteratura" e "phantasia", que as reformas
brasileiras transformaram em "literatura" e "fantasia". Em francez temos
"littérature" e "fantaisie", com aquelle imbecil accento agudo no
primeiro caso, mas no qual não metto o bedelho porque meu assumpto é
minha lingua natal. O que importa aqui é o "T" geminado em "littérature"
e o "PH" que devia estar no logar do "F" em "fantaisie". No segundo
caso, seus cognatos em portuguez são "phantasma" e "phantastico", que em
francez são "fantôme" e "fantastique", respectivamente. Mas o francez
tambem tem "phantasme", reconhecendo que o etymo leva "PH". Falha
imperdoavel dos academicos francezes, na minha opinião.

Pois bem: no inglez scismaram de escrever "literature" com um "T" só e
"fantasy" com "F", vejam que idiotice, ou antes, que idiotismo! Podem
ter la suas explicações, como a pronuncia "pro-proparoxytona" de
"literature", typo "comfortable" ou "interesting", ou a influencia da
"fantaisie" franceza em "fantasy". Mas o facto é que o etymo latino é
"littera" (que nos deu "lettra", como deu "lettre" ao francez e "letter"
ao inglez) e o etymo grego é "phanta", donde os cognatos "phantasma" e
"phantastico". No inglez virou bagunça, pois, ao lado de "fantasy" e
"fantastic", elles mantiveram "phantom". Fiquemos, emfim,
coherentemente, com nosso "PH" e com nosso "T" geminado.

Para concluir, incoherencias occorrem historicamente e são inevitaveis
numa evolução de seculos. Mas não é por isso que, alem das incoherencias
historicas, vamos acceitar passivamente novas incoherencias, creadas
artificialmente por aquelles que poderiam e deveriam evital-as. Mais um
motivo para repudiarmos, como eu repudio, quaesquer reformas naquillo
que está quieto, mesmo com algumas velhas imperfeições. Sinão, sae peor
a emenda que o soneto. E ja que fallamos em soneto, aqui vão mais dois
da serie que fiz para commentar a orthographia que adopto.

SONETO PARA O PARALLELO ESPORTIVO [3076]

Que allegam os grammaticos que a escripta
pretendem reformar? Ah, no italiano
ja foi simplificada? E o nosso mano
hispanico tem lettra mais bonita?

Bobagem! No hespanhol, como na dicta
natal lingua de Dante, não foi plano
do arbitrio essa phonetica: seu panno
de fundo está na origem! Nada a imita!

Emquanto, no italiano e no hespanhol,
se grapha mais "fallado", o portuguez,
assim como o francez, tem mais escol.

Portanto, foi estupido quem fez
a nossa van reforma: o futebol
tem regra eterna e não durante um mez!

SONETO PARA O PARADOXO LUSOPHONO [3077]

Sentido eu não encontro no que dizes:
"Phonetica é melhor, pois facilita
a alphabetização..." Basta a visita
a duas antiquissimas matrizes:

Inglezes e francezes em paizes
cultissimos habitam. Quem habita
a America, inglez falla e tem escripta
tambem de etymologicas raizes.

Acaso analphabetos elles são?
Não tanto quanto nós, que fomos mais
lettrados quando a escripta inda era à mão!

Machado, Alencar, Eça, nossos paes
de penna, certamente agora estão
rolando no caixão, pedindo paz!

///

sábado, 29 de junho de 2013

JULHO/2013: "VOCABULARIO MEDONHO"

Entre as innumeras inconveniencias da graphia phonetica está a confusão
de etymologismos como "hippo" (cavallo) e "hypo" (abaixo): os
reformistas escrevem, indistinctamente, "hipódromo" e "hipótese", quando
deveriam escrever "hippodromo" e "hypothese". Peor ainda: ora escrevem o
mesmo graphema dum jeito, ora doutro, como "gymno" (nudez), que figura
como "gin..." em "ginásio" e "ginástica" (correctamente, "gymnasio" e
"gymnastica") e como "gimn..." em "gimnocéfalo" (correctamente,
"gymnocephalo"), lembrando, ademais, que "gymno" não pode ser confundido
com "gyno" (mulher), a exemplo da palavra "gymnogyno", que os
phoneticistas escrevem "gimnógino".

Ja quem escreve, como eu, pelo systema etymologico apprende a distinguir
os hellenismos, como "philo" (em "philogynia") e "phyllo" (em
"phyllogenia"), que os phoneticistas grapham, equivocadamente,
"filoginia" e "filogenia".

O conhecimento dos etymologismos grecolatinos é particularmente util na
hora de cunharmos neologismos, ainda mais os do typo hybrido. Querem
ver? O melhor laboratorio de novos termos scientificos, ou até
pseudoscientificos, está na covardia da especie humana. Acho que não ha
animal mais medroso que o homem, a julgar pela quantidade e pela
diversidade de phobias que rotulamos no quotidiano: a cada hora nos
apavoramos com algo que, geralmente, nem representa perigo. Ahi surgem
differentes nomes para o mesmo medo, comprovando que o medo é maior que
qualquer tentativa de baptizal-o. Examinemos os terrores mais communs
que nos assombram.

Um exemplo typico é o medo de avião. Uns o baptizam de
"aerodromophobia", onde "dromo" significa o acto do percurso. Assim, o
percurso por via ferrea seria "siderodromo", donde o medo de viajar de
trem: "siderodromophobia". Outros preferem "ptesiophobia" para o medo de
voar. Si o medo for do mar, temos "thalassophobia". Si for de rios,
"potamophobia". Si for de lagos, "limnophobia". Ahi basta enxertar o
affixo "dromo" para as viagens, typo "potamodromophobia", que pode
incommodar alguem que receie palavras compridas, ou seja, alguem que
soffra de "sesquipedalophobia". Aliaz, esse coitado terá muitos motivos
para se intimidar si for pesquisar o vocabulario das coisas que nos
ameaçam. É capaz de ficar com medo de sentir medo, isto é, a chamada
"phobophobia".

Si usassemos apenas "dromophobia", seria para nos referirmos ao medo de
andar pelas ruas, de simplesmente perambular. Si quizessemos especificar
o medo de percorrer ou atravessar estradas, poderiamos usar "hodophobia"
e, no caso de usar ou cruzar pontes, "gephyrophobia". Si o sujeito ja
fica apavorado só por caminhar, soffre de "ambulophobia". Si o que elle
teme é desequilibrar-se ao andar ou ficar de pé, soffre de "basiophobia"
ou de "estasiophobia". Si teme manter a cabeça erguida, soffre de
"geniophobia".

E no caso de embarcar em vehiculos mais corriqueiros? Andar de carro dá
medo? Então seria "amaxophobia". Si o sujeito tem medo da velocidade,
tem "tachophobia", onde apparece o mesmo graphema de "tachographo". Si
teme dirigir pela mão direita ou virar à direita, tem "dextrophobia". O
mesmo vale para objectos do lado direito do corpo. No caso da mão
esquerda ou do lado esquerdo, tem "sinistrophobia".

Por fallar em sinistros, outro sentido do termo tem a ver com tudo que
envolve a morte ou os mortos. Alem da "thanatophobia", temos a
"necrophobia". Mais especifico é o medo de ser enterrado vivo, a
"taphophobia". O medo de phantasmas é a "espectrophobia". O medo das
sombras é a "sciophobia" ou "esciophobia". O medo dos sonhos é a
"onirophobia". Outros teem medo de vestigios mais palpaveis, como os
vermes, caso da "escolecophobia".

O medo de morrer remette ao campo da saude, fonte da maior parte das
nossas preoccupações. O medo de sentir dor é a "algophobia" ou
"odynophobia". O medo de sentir fraqueza ou de desmaiar é a
"asthenophobia". O medo de ficar doente é a "nosophobia" ou a
"pathophobia". O medo de ficar louco ou pegar raiva é a "lyssophobia".
Para a raiva tambem vale a "hydrophobophobia". O medo de ter febre é a
"pyretophobia". O medo de vomitar é a "emetophobia". O medo de
envenenar-se é a "toxophobia". O medo de intoxicar-se, de aspirar
polluição ou de engolir ar é a "aerophobia". O medo de contaminar-se por
germes é a "mysophobia", cujo graphema não pode ser confundido com o
"miso" de "misogynia", que equivale à "gynophobia" ou aversão às
mulheres. Ja o medo de contaminar-se pela sujeira é a "molysmophobia". O
simples medo de immundicie é a "rhypophobia". O medo de poeira é a
"coniophobia". O medo ou nojo de substancias viscosas é a "myxophobia"
ou "blennophobia". O medo de hospitaes é a "nosocomiophobia". O medo de
ir ao medico é a "iatrophobia". De dentistas, a "odontologophobia". Para
quem tem medo de doença incuravel o termo pode ser "monopathophobia".
Para doenças venereas, "cypridophobia" ou "cyprinophobia". No caso da
syphilis, "syphilophobia". Para a tuberculose, "phthisiophobia". Para
doenças de pelle, "dermatopathophobia". E assim por deante. O medo de
ficar enrugado é a "rhytidophobia". O medo de ficar careca é a
"phalacrophobia". O medo das deformidades é a "dysmorphophobia". Quanto
ao medo de cirurgia, seria a "tomophobia"; de sangue, a "hemophobia" ou
"hematophobia"; de injecção, seria "trypanophobia", lembrando que existe
"rhaphidophobia" para agulhas e "belonophobia" para alfinetes. O medo de
machucar-se physicamente é a "traumatophobia". Para os hypochondriacos
ha um prato cheio no campo dos medicamentos. O medo de tomar remedio é a
"pharmacophobia". No caso de remedios novos, "neopharmacophobia". No
caso de remedios à base de mercurio, "hydrargyrophobia". O proprio
medico, si tiver medo de operar, tem "ergasiophobia".

Outro terreno fertil aos medos é o convivio social ou seu opposto, o
isolamento. Si o sujeito não consegue ficar sozinho, tem "autophobia",
"monophobia" ou "eremophobia". Si não consegue ficar em casa, tem
"domatophobia". Si sae e não quer voltar, tem "nostophobia". Si tem medo
de agglomerações, soffre de "ochlophobia" ou de "demophobia". Si teme
logares abertos e publicos, tem "agoraphobia". Si teme logares abertos e
altos, tem "aeroacrophobia". Si teme logares estreitos, tem
"estenophobia". Si teme logares fechados, tem "claustrophobia". Si teme
ficar trancado, tem "clitrophobia". Si teme logares suppostamente
perigosos, tem "topophobia". Mesmo entre os que não soffrem de
"sociophobia" ou "anthropophobia" ha excepções: uns teem aversão a
creanças, a "pedophobia", outros a velhos, a "gerontophobia", outros a
pessoas deformadas, a "teratophobia", outros aos parentes, a
"syngenosophobia", outros aos proprios filhos, a "hyiophobia" ou
"huiophobia", outros aos extrangeiros, a "xenophobia", outros aos
homosexuaes, a "homophobia". Quem não quer depender dos outros tem
"soteriophobia". Quem não supporta ouvir vozes ou ruidos tem
"phonophobia". Quem não consegue fallar ou discursar tem "lalophobia" ou
"glossophobia". Quem tem medo das palavras tem "logophobia", e de certos
nomes tem "onomatophobia". Quem tem medo do ridiculo tem
"catagelophobia". Quem tem medo de se ruborizar tem "ereuthophobia".
Quem tem medo de ser observado tem "escopophobia". Quem tem medo de
dansar tem "chorophobia". Quem não quer ser tocado nem tocar tem
"hapheophobia". Si for com a mão, tem "chiraptophobia".

Funcções physiologicas normaes e actos communs ou rotineiros podem ser,
para alguns, fonte de temor, como alimentar-se ou engolir a comida,
casos de "sitiophobia" e de "phagophobia". O medo de jantar ou de
conversas ao jantar é a "dipnophobia". O medo de beber ou ingerir
liquidos é a "dipsophobia". O medo dos lacticinios é a "galactophobia"
ou "lactophobia". O medo da gravidez é a "tocophobia". O medo do parto é
a "lochiophobia" ou "maieusophobia". O medo de sentar-se é a
"cathisophobia". O medo de deitar-se é a "clinophobia". O medo de dormir
é a "hypnophobia". O medo de trabalhar é a "ergophobia", accusada de ser
desculpa para a preguiça. O medo de tomar banho é a "ablutophobia". O
medo de mijar ou da urina é a "urophobia". O medo de cagar ou da merda é
a "coprophobia". O medo de peidar ou respirar taes ares é a
"flatophobia".

Nossa paranoia com a segurança causa medos como a "hyalophobia"
(cortarmo-nos com vidro), a "catoptrophobia" (espelhos), a
"erythrophobia" (luz vermelha), a "climacophobia" (degraus e escadas), a
"hypsophobia" (altura), a "abyssophobia", "acrophobia" ou "cremnophobia"
(precipicios), a "bathophobia" (profundidade), a "dinophobia" (vertigens
e redemoinhos), a "cinetophobia" (movimentos), a "chronometrophobia"
(relogios), a "mechanophobia" (machinas), a "hoplophobia" (armas de
fogo), a "ballistophobia" (misseis), a "kleptophobia" (sermos roubados),
a "nyctophobia" (sahirmos à noite) e a "ataxophobia" (desordem).

O amor e o sexo não poderiam faltar na lista dos cagaços. Só de beijar
ou ser beijado alguem sente medo, a "philemophobia" ou
"philematophobia". De enamorar-se existe a "philophobia". De casar, a
"gamophobia". De sentir prazer, a "hedonophobia". De se excitar, a
"erotophobia". De sentir dor durante o acto, a "erectophobia". De ser
sexualmente abusado, a "contrectophobia". De putas, a "cypriphobia" ou
"cyprianophobia", que vale tambem para doenças venereas.

Phenomenos climaticos e naturaes podem gerar varios typos de medo. O
nascer do sol ou a luz do dia gera a "phengophobia". Si for de qualquer
claridade, o problema é a "photophobia". Si for do céu, o medo é a
"uranophobia". Si for do sol, o medo é a "heliophobia". Si for da lua ou
do luar, é "selenophobia". Si for das estrellas, é "siderophobia", mesmo
graphema do aço nas ferrovias. Si for do calor, o medo é a
"thermophobia". Si for do frio, o medo é a "psychrophobia"; do
congelamento, a "cryophobia". Si for do fogo, é "pyrophobia". Si for da
seccura ou da aridez, é "xerophobia". Si for da humidade, é
"hygrophobia". Si for da chuva, é "ombrophobia". Si for dos relampagos e
trovões, é "astrapophobia", "brontophobia" ou "ceraunophobia". Si for da
neve, é "chionophobia". Si for dos nevoeiros, é "nephophobia". Si for do
vento ou das correntes de ar, é "anemophobia". Si for das ondas ou
ondulações, é "cymophobia". Si for da madeira ou das florestas, é
"xylophobia" ou "hylophobia". Si for das arvores, é "dendrophobia". Si
for das flores, é "anthophobia".

Si os animaes inoffensivos despertam panico ou nojo em muita gente, que
dizer dos aggressivos? O medo de animaes, ou "zoophobia", se
particulariza na "cynophobia" (cães), na "elurophobia" ou "galeophobia"
(gattos), na "musophobia" ou "murophobia" (rattos), na "ornithophobia"
(passaros), na "alectorophobia" (gallinaceos), na "chenophobia"
(gansos), na "ichthyophobia" (peixes), na "selachophobia" (tubarões), na
"ophidiophobia" (cobras), na "batrachophobia" (sapos e rans), na
"herpetophobia" (repteis), na "entomophobia" (insectos), na
"melissophobia" (abelhas), na "esphecophobia" (vespas e marimbondos), na
"myrmecophobia" (formigas), na "isopterophobia" (cupins), na
"blattophobia" (baratas), na "arachnophobia" (aranhas e escorpiões), na
"acarophobia" (pequenos organismos), na "bacillophobia", na
"bacteriophobia" e na "microbiophobia" (microorganismos). E por ahi vae.

O terreno espiritual e moral tambem é foco de medos, obviamente. O medo
vae do mero apprendizado ou do conhecimento, chamado de "sophophobia",
"epistemophobia" ou "gnoseophobia", até as mais altas divindades, a
"theophobia", passando pelo inferno, a "hadephobia" ou "estygiophobia",
pelos sanctos, a "hagiophobia", pelos sacerdotes e pelas coisas
sagradas, a "hierophobia", pelos mythos e lendas, a "mythophobia" ou
pelos crucifixos, a "estaurophobia". Quem tem medo de peccar soffre de
"hamartophobia". Quem tem medo do castigo, soffre de "mastigophobia"
(com "M" mesmo). Quem tem medo do materialismo, soffre de "hylephobia".
Quem tem medo da liberdade, soffre de "eleutherophobia". Quem tem medo
de mudar, soffre de "metathesiophobia". Quem tem medo de novidades,
soffre de "neophobia" ou de "cenotophobia".

Eu mesmo fui victima de certas paranoias que acabaram por confirmar-se,
taes como a "ableptophobia" (medo de ficar cego), a "escotophobia" (medo
da escuridão) e outras consequencias da condição de usuario dos systemas
de escripta typhlographica ou ectypographica, na qual me encaixo. No
livro MINGAU DAS ALMAS incluo o soneto "Typhlophobia" entre os que
compõem o cyclo "O medo a dedo".

Quanto ao leitor, depois de saber que ha tantas alternativas para ser
medroso, o sujeito acaba ficando com medo de tudo, a "pantophobia"... Ou
não é?

A proposito dessa vasta terminologia fiz este soneto:

SONETO PARA O PARASITA "PODÓFILO" [3075]

Um typico exemplinho nos ajuda
a ver como a phonetica complica:
em "filo" um "philo" e um "phyllo" ella unifica
de modo incoherente a quem a estuda.

"Podophilo" sou eu: ninguem se illuda!
Humana ou animal, a fauna rica
dos que gostam de pés o termo explica.
"Podophyllo" é p'ra planta, e a coisa muda!

Um "terio" e um "therio" a mesma coisa não
traduz, mas tudo em "tério" ora se lê.
Logar é o cemiterio à assombração.

A fera é o megatherio: acha você
que os monstros não differem? Qual, então,
o nome que às phobias alguem dê?

///

sábado, 15 de junho de 2013

JUNHO/2013: "TU SONETAS, VÓS SONETAES"

Ja expliquei e exemplifiquei que, na reforma orthographica de 1943, os
phoneticistas estavam tão obcecados em abolir o "PH" e as consoantes
geminadas quanto em introduzir accentos que não existiam na escripta e
só tonificavam as palavras na falla. Assim, o adverbio
"philosophicamente" perdeu dois "PH" e passou a levar accento grave na
subtonica, escripto como "filosòficamente", porque o adjectivo
"philosophico" passara a levar agudo na tonica, graphado como
"filosófico". Ja o substantivo "appello", que perdera um "P" e um "L",
ganhou, por outro lado, um circumflexo, reformado como "apêlo".

Ou seja, os academicos que bolaram uma reforma pretensamente
"simplificadora" deram um tiro no proprio pé e trocaram seis por meia
duzia. Tudo que se "economizou" em "PH" que virou "F" e em lettras
duplas que viraram unas (ou nuas) se gastou accentuando palavras que
jamais tinham precisado de accento. A intenção declarada era "facilitar"
o apprendizado, mas a segunda e principal intenção era vender
diccionarios e livros didacticos, ninguem ignora.

O resultado dessa plethora de signaes foi que, desde então, todo mundo
teve que escrever o pronome "êste" com circumflexo para não confundirmos
com o substantivo "este" (poncto cardeal), ou a preposição "sôbre" para
não confundirmos com "sobre" (verbo "sobrar"), ou o verbo "colhêr" para
não confundirmos com o substantivo "colher". Ja pensaram? Si eu quizesse
que alguem se "fôda", teria de accentuar, sinão seria "foda"! Que foda,
hem? Que se foda, diriamos hoje...

Isso reflecte a mania que o brasileiro tem, quando está no poder, de
querer regulamentar tudo, quando, na practica, não limpa direito nem o
proprio cu. Ja naquella epocha as auctoridades não conseguiam reprimir a
criminalidade e a corrupção, mas insistiam em patrulhar o comportamento
dos que ja estavam enquadrados como cidadãos cumpridores de seus
deveres. Não por acaso estavamos numa dictadura...

Tambem estavamos numa dictadura quando, em 1971, os academicos
perceberam que, sendo tantos accentos desnecessarios e complicadores,
poderiam lucrar de novo si bolassem nova reforma que os abolisse. Assim,
bastou mais um decreto para officializar que, dalli em deante,
"filosòficamente" perderia o accento grave e "apêlo" o circumflexo. Mas
o substantivo "idéia" continuaria a levar agudo, para que não fosse
pronunciado como "aldeia". Tambem "lingüiça" e "tranqüilo" continuariam
a levar trema, para que não fossem pronunciados como "preguiça" ou
"aquilo". Mas não perderiamos por esperar, né?

Tudo não passava de auctoritarismo, de casuismo e de opportunismo, pois,
antes de 1943, todos sabiam que "philosophicamente", "appello",
"linguiça", "preguiça", "tranquillo" e "aquillo" dispensavam quaesquer
accentos e que "idéa" levava agudo mas não tinha "I" antes do "A".

De minha parte, nunca acceitei que "sonêto" levasse tal accento para não
se confundir com "eu soneto". Mesmo antes de sonetar, eu não confundiria
substantivo com verbo. Não sou burro, como os dictadores gostariam que
todos fossemos.

Agora que cheguei a mais de cinco mil sonetos, estou mais que
credenciado a decidir em termos de orthographia. Um dos livros que estão
na minha gaveta, intitulado CRYSTALLINO CRYPTOGRAMMA, collecciona
justamente os sonetos que commentam esta opção pela escripta classica.
Eis aqui os primeiros sonetos desse cyclo. Até o proximo topico!

SONETO PARA O PARADIGMA RESGATADO [3073]

"Philosophicamente", como "appello",
graphava-se, na velha orthographia,
em texto que se lê e que se confia
que está correcto e é facil entendel-o.

O "phi" nos vem do grego, cujo sello
tem cunho scientifico hoje em dia.
Dois eles e dois pes geminam via
latim, e preserval-o exige zelo.

Assim, "ophidio" e "officio" se differem
na escripta, como "ephemero" de "effeito",
e pau nos que da origem não souberem!

Na nova orthographia, não ha jeito
que faça com que os jovens recuperem
raizes, e por isso eu não a acceito.

SONETO PARA A PARADA A PASSO DE CAVALLO [3074]

Durante o Estado Novo se decide
que "appello" vire "apêlo" e que se leia
"filosòficamente"! Na cadeia
trancado é quem da nova lei se olvide!

De novo, nos septenta, quem aggride
a lingua é um militar: manda que eu creia
que "apelo" perde accento! Esta, graphei-a
"filosoficamente", sem revide...

Revido, então, agora, quando grapho
na forma etymologica: um alarde
de como auctoritario é um "novo" bafo.

Podemos restaural-a! Nunca é tarde!
Si dessa dictadura hoje me safo,
a lucta encararei: não sou covarde!

///

sábado, 1 de junho de 2013

MAIO/2013: "POESIA NÃO PEDE LICENÇA, NEM LICENCIAMENTO, NEM LICENCIATURA, SÓ LICENCIOSIDADE"

Trez são as razões pelas quaes adopto a orthographia etymologica (que
chamo de "etymographia" ou de "eugraphia") em logar da graphia phonetica
(que chamo de "dysmorphographia" ou de "cacographia") e das quaes não me
canso de fallar:

Primeiro, por ser a mais correcta, por signal practicada pelos francezes
e inglezes, a quem nos junctavamos antes da decada de 1940, oppondo-nos
aos italianos e hespanhoes, que ja practicavam o phoneticismo
orthographico desde os primordios novilatinos e não reformaram nada da
noite para o dia.

Segundo, por ser mais bonita aos meus olhos, quer emquanto enxerguei
(desde a decada de 1970, quando me bacharelei em bibliotheconomia e
comecei a fazer poesia no zine anarcholitterario JORNAL DOBRABIL), quer
depois de perder a visão (quando voltei ao soneto de mala e cuya), mais
bonita, dizia eu, graças a seus charmosissimos digrammas de "H"
hellenico ("PH", "RH", "TH"), seus eleganterrimos graphemas em "Y" e
suas chiquerrimas consoantes latinas geminadas, superlativos informaes
aos quaes accrescento o classico "facillimo" por não achar
"difficillimo" escrever correctamente quando nos habituamos a ler
attentamente.

Terceiro, por ter sido successivamente reformada de maneira artificial e
dictatorial, em periodos fascistoides de nossa historia (1943 e 1971),
sendo, portanto, inadmissivel que o ultimo "accordo" se torne
obrigatorio por imposição legal num governo suppostamente democratico
como o actual regimen.

Obvio é que, si não formos ingenuos, todos sabemos do interesse
commercial por traz duma obrigatoriedade que torna subitamente obsoletos
todos os diccionarios e livros didacticos, compulsoriamente reeditados e
revendidos por capitalistas gananciosos, recomprados por alumnos e
professores indefesos e reescriptos por opportunistas entre os quaes se
encontram alguns dos proprios academicos que machinaram
machiavellicamente o tal "accordo". Mas isso é cediço e peor que isso é
ser mãe de ouriço. Fiquemos nos planos theorico e practico da escripta,
officio de quem, como eu, exercita a litteratura.

Quero abordar, agora, um poncto que me toca particularmente e me
incommoda mais que outras arbitrariedades da dysmorphographia. Refiro-me
ao trema e às maiusculas quando se tracta de poesia. Sim, pois o tal
"accordo", não bastasse tyrannizar sobre quem escreve em prosa, tem a
petulancia de cagar regra sobre quem cria poesia, vejam só!

Ao contrario de topicos que nossos immortaes assassinos nos concedem
considerarmos "facultativos", o trema estaria, segundo elles,
inappellavelmente abolido, prohibido até na poesia, caso em que indica
uma dierese (hiato forçado) na metrificação, como em "saüdade", que,
quando leva trema no "U", deixa de ser trisyllabo para ser tetra,
pronunciando-se "sa-u-da-de". Ja imaginaram? Era só o que faltava, um
Bilac ou um Drummond tendo que pedir licença poetica a um Houaiss ou um
Bechara e levando um não pelas fuças! Pessoalmente o trema nem me
affecta, pois a etymographia prescinde delle para avisar que "linguiça"
não se pronuncia como "preguiça" nem "tranquillo" como "aquillo", ja
disse e repito. Mas não abro mão do direito de usar trema num poema si
me der na telha, ora!

Quanto às maiusculas, os assassinos academicos as exigem, entre outras
obrigatoriedades, como iniciaes de versos, calculem vocês a intromissão!
Bilac poderia achar isso normal, mas Drummond não. Imaginem então um
Allen Ginsberg ou um Augusto de Campos tendo que pedir permissão a um
Sarney ou a um Napoleão (Mendes de Almeida, digo) para usar só
minusculas e levando um curto e grosso não! Tinha graça!

Para illustrar mais este inquerito, digno duma Commissão da Verdade
Litteraria, transcrevo um poema em que minusculizei tudo de proposito,
composto na phase em que enxergava, e o soneto em que converti o
argumento, mantida a minusculização. Até o proximo inquerito contra a
Inquisição!

QUEM DIABO É DEUS? [poema de 1977]

deus não é a antimateria
deus não é o antichristo
deus não é o chaos
deus não é o kosmo
não é um campo magnetico
não é um corpo magnifico
não é a voz do povo
não é a paz do papa
deus não é um sapo horrendo
do lodo do brejo nojento
nem o excremento fedorento
mas podia ser
si não fosse aquelle garoto
que me deflora a bocca
e me degusta a sola
quando trepa commigo

QUEM DIABO É DEUS? [soneto de 1999]

é deus antimateria? não. tambem
não é deus antichristo. não é chaos
nem kosmo. é deus magnifico entre os maus?
magnetico entre os bellos? deus é quem?

do povo a voz? do papa a paz? alguem
tem delle nojo ou odio? quaes os graus
possiveis que mensuram alguns paus
divinos e alguns cus terrenos? hem?

podia ser deus tudo, ser podia
sapão no seu brejinho ou ser sapinho,
então, no seu brejão, por um só dia.

quizesse, e deus seria. mas, mesquinho,
prefere nem siquer ser quem me enfia
na cara o pé, na bocca o pau: neguinho.

Pelo YOUTUBE eu appareço declamando este soneto no canal
www.youtube.com/user/gatinhocachorro
///

sábado, 18 de maio de 2013

JANEIRO A DEZEMBRO DE 2009


DEZEMBRO/2009: "GRAECUM EST, NON LEGITUR"

O dictado latino que dá titulo a este capitulo dá tambem uma idéa de
como Roma encarava os alphabetos extrangeiros. Dahi a expressão "isto
para mim é grego", no sentido de inintelligivel.

Com effeito, o latim fallado e escripto absorveu innumeros hellenismos,
principalmente no que tange aos ramos mais eruditos do latim
ecclesiastico e scientifico, mas nem todas as lettras gregas podiam ser,
digamos, litteralmente translitteradas, para sermos necessariamente
pleonasticos.

Por exemplo, o "phi", equivalente ao nosso "F", precisou de duas lettras
para represental-o, de modo que não fosse confundido com a consoante
eventualmente dobrada das palavras typicamente latinas. Assim, "officio"
tem clara origem latina, emquanto "ophidio" vem do grego; "effectivo" e
"ephemero" se differenciam da mesma forma.

Outros phonemas que, no portuguez, acabaram soando practicamente da
mesma maneira são o "CH" grego e o "QU" latino, que entretanto não se
confundem, como não se confundiam na pronuncia original. Assim, um nariz
"aquilino" vem da aguia latina, emquanto um calcanhar "achilleu" vem do
grego Achilles. No latim, a vogal "U" soava tanto em "aqueducto" quanto
em "aquatico", emquanto "ecchymose" jamais soaria como "equinoccio".

Mais confusos são os nossos dois sons de "I" e os dois de "T" do
alphabeto grego, correspondentes, respectivamente, às lettras iota
comparada com ypsilon (originalmente upsilon), dum lado, e tau comparada
com theta, do outro. Dahi a coexistencia, no portuguez, dos radicaes
"philo" e "phyllo", que os phoneticistas reduziram, indevidamente, a um
unico "filo". Assim, um animal "phyllophago" é o que se alimenta de
folhas vegetaes, emquanto um animal "philosopho" se alimenta,
figuradamente, de folhas impressas. Pelo mesmo caminho, um ser
"aletophyto" é apenas uma planta errante, emquanto um ser "alethophilo"
é uma pessoa em busca da verdade. Um "podophilo" jamais se confunde com
um "podophyllo", mesmo que o fetichista em questão seja um botanico...

Por ahi se vê como a orthographia etymologica é fundamental para
sabermos differenciar um texto "eschatologico" (philosophico) dum texto
meramente "escatologico" (fecal), ainda que, no fundo, seja tudo a mesma
merda. Quem tem practica não troca as bolas na hora de descrever a cor
da crista do gallo, a transparencia do coppo de crystal e os espinhos da
coroa de Christo...

O importante é conhecer os radicaes gregos, que, a rigor, não se
mixturam com os latinos, excepto nos hybridismos. Assim, tanto pode
haver um "T" como um "TH" em palavra originalmente grega, a exemplo de
"necroterio" (onde o "terio" significa "logar") e em "megatherio" (onde
o "therio" significa "fera"), bem como inexiste o "F" em palavra
typicamente grega, como "phosphoro", "photographo" ou "philosopho". No
caso de "chloroformio", "hyposufficiente", "gypsifero" ou "hydrofugo", o
segundo elemento é latino, characterizando o hybridismo.

Si todos usassemos o systema etymologico, ficaria mais facil de entender
uma lettra como a da canção "Lingua", de Caetano, quando elle compara os
termos "patria", "matria" e "phratria", sendo os dois primeiros latinos
e o terceiro grego, este significando "tribu" e trocadilhando com o
sentido latino da fraternidade. O hybridismo intencional ficaria mais
claro si graphassemos correctamente os hellenismos "hippodromo" e
"hypothese", onde "hippo" significa "cavallo" e "hypo" significa
"abaixo". Em hypothese nenhuma alguem mixturaria um termo de origem afro
como "samba" e um grego como "dromo", mas o brasileiro,
anthropophagicamente, consegue transformar um valor cultural
afrodescendente em aphrodisiaco, jogando o "F" e o "PH" no mesmo sacco,
phenomeno que, como pretendeu Caetano, mais se valoriza quando os
phonemas se synthetizam na escripta.

E ja que é para embolar o meio de campo, escolhi como illustração um
soneto bem dialectico, tanto no sentido da prosodia quanto na mixtura de
procedencias. Até 2010!

SONETO SOLETTRADO [375]

Decifre um abecê no abracadabra.
Deduza o delta errado do programma.
A formula se grapha com o gamma.
Viado tem hiato na palavra.

John Kennedy deu bode; o Lampe é cabra.
Mamãe amammentando, o nenê mamma.
Do opiparo quitute o aroma chama.
O russo arreda o rico e a roça lavra.

Um esse se assemelha ao saxophone.
O tu, segundo o verbo, é uma pessoa.
Ve dabliu é rei plebeu, sem quem desthrone.

O xiz parece a cruz, que se abençoa.
Tem cara de forquilha o pissilone.
O ze ziguezagueia, zurze e zoa.

///

NOVEMBRO/2009: "NEM TANTO AO MAR, NEM TANTO A MARTE"

Fallava eu de conciliação dos extremos porque sei como tendemos a ser
radicaes quando defendemos nossas idéas. Eu mesmo fui victima da
forçação de barra quando, para contestar os reformistas que queriam
transformar "acreano" em "acriano", extendi a desinencia "eano" até a
adjectivos que não precisariam leval-a, como "oswaldiano",
"petrarchiano", "bilaquiano" ou "mattosiano". Na verdade, a terminação
adjectiva em "ano" teria que ser precedida, si fosse o caso, da vogal
"E" apenas quando o substantivo terminar em "E" e precedida da vogal "I"
quando o substantivo terminar em outra vogal ou em consoante. Tracta-se
duma regra relativa que, embora às vezes confunda, na practica funcciona
sem extranheza.

Assim, si os substantivos forem Pessoa, Alagoas, Piracicaba, Cuyabá,
Curityba, Cuba, Venezuela, America, Africa, Angola, Roma, Esparta, a
terminação dos adjectivos será simplesmente "ano". No caso de Colombia,
India, Bahia, Australia, Italia, Ukrania, California, Esthonia, Siberia,
Victoria, Bolivia, Acacio, Julio, Gregorio, Diluvio, o "I" que ja faz
parte do nome se reflectirá, obviamente, na terminação "iano". Dahi a
razão de grapharmos "borgiano" si a palavra for allusiva ao sobrenome
Borgia, differentemente de "borgeano", allusivo a Borges.

Si os substantivos forem Borges, Rodrigues, Menezes, Acre, Sade, Gide,
Bocage, Shakespeare, Voltaire, Sartre, Appalaches, Euclides, Camões, a
terminação dos adjectivos será "eano". Inclusive, obviamente, quando o
"E" preceder a vogal final do substantivo, qualquer que seja esta, como
em "craneo" ou "varzea".

Si os substantivos forem Torquemada, Gonzaga, Obama, Sahara, Guevara,
Bandeira, Zaratustra, Caucaso, Machado, Neptuno, Parnaso, Drummond,
Hollywood, Freud, Jung, Reich, Bach, Orwell, Iran, Lacan, Juppiter,
Venus, a terminação dos adjectivos será "iano", na qual o "I" apparece
addicionalmente.

Si os substantivos forem Haiti, Vivaldi, Verdi, Fellini, Pasolini,
Mussolini, Khomeini, Caymmi, Dali, Gaudí, Mogy, a terminação "ano"
apenas se accrescenta.

Si os substantivos forem Itu, Pagu, Peru, Ubu, as vogaes "E" ou "I"
nunca occorrem.

Claro está que a questão nem se colloca quando o adjectivo dispensar
outra vogal antes de "ano", independentemente da lettra final do
substantivo, como em "Alemtejo", "Athletico", "Mexico", "Francisco",
"Luthero", "Pernambuco", "Rheno", "Sergipe", "Moçambique", "Goyaz",
"Texas", "Elizabeth", "Nazareth", etc.

Duvidas sempre nos assaltam, comtudo. Ao repassarmos adjectivos
extraterrenos como "juppiteriano" ou "venusiano", immediatamente nos
occorre o mais commum: "marciano". Si o planeta Marte tem seu nome vindo
do latim nominativo "Mars", alguem poderá achar que a palavra deveria
ser "marsiano", com "S". Si considerarmos que a origem está no genitivo
"Martis", que daria em portuguez "Marte", nossa regra mandaria graphar
"marteano". Donde a forma "marciano", então? Succede que de "Martis"
veiu "Martius", que deu "Marcio" em portuguez, com o "T" que
habitualmente se converte em "C", como em "patientia" dando "paciencia".
Dahi o adjectivo: "marciano", com "C" mesmo.

E para não perder a deixa, faço jus ao vicio poetico e divago um pouco:
si os habitantes do planeta vermelho são, sabidamente, verdes, que cor
teriam os habitantes da Lua, que por signal não são "lunaticos" nem
"lunianos", e sim "selenitas"? Si forem prateados, poderiam ser
scientificamente classificados, em termos substantivos, como
"argyrodermes", que tal? Sendo amarellos, seriam "xanthodermes"; si
brancos, "leucodermes"; si azues, "cyanodermes"; si verdes,
"chlorodermes"; si vermelhos, "erythrodermes"; si dourados,
"chrysodermes"; si pardos, "pheodermes", e assim por deante... Basta
brincar com os radicaes gregos, com os quaes se podem formar quaesquer
palavras, tanto antepondo como pospondo, a exemplo de "gynandro", que
significa "mulher macho", ou de "androgyno", que significa "homem
femea". Qualquer hora vou postar um glossario desses radicaes, me
aguardem. (*)

Voltando à vacca fria, fecho com um soneto que baptizei de
"paulopolitano" por ser allusivo à cidade de São Paulo, assim como
"soteropolitano" allude à cidade de Salvador, ja que "salvador" ou
"protector" em grego é "sotero".

SONETO PAULOPOLITANO [110]

Alguns passos alem do Marco Zero
a cathedral da Sé, quasi acabada,
resume em neogothico a salada
humana e deshumana onde me gero.

No leste nordestino ja fui vero
bambino da rural Villa Hinvernada.
Nasci, porem, na Lapa, que é pegada
à toca dum poeta que é panthero.

Elyseos, Campos, Braz, Bixiga e Mooca,
Belem, Limão, Carrão, Pary, Moema:
Qual minha casa, cova, taba, toca?

Não fosse eu paulistano tão da gemma!
Na rua Lavapés me desembocca
a lingua, que alli lave, goze e gema!

(*) O referido glossario figurou como addendo ao "Tractado de
orthographia lusophona", originalmente disponivel neste blog, e foi
incorporado ao "Diccionario orthographico phonetico/etymologico" de
Glauco Mattoso.

///

OUTUBRO/2009: "ATROPELOS NOS ANTHROPONYMOS"

Si não me falha a memoria, Graciliano Ramos pilheriou, quando assignava
as chronicas posteriormente reunidas no volume "Linhas tortas", que cada
um poderia escrever seu proprio nome como bem entendesse, e um sujeito
chamado Camelo tinha todo o direito de usar dois ou até trez "LLL",
ainda que um camelo tivesse no maximo duas corcovas. Blagues à parte,
tracta-se duma incontestavel prerogativa individual dum cidadão, tanto
que nenhuma reforma conseguiu obrigar ninguem a refazer documentos em
chartorio, chegando os reformadores, quando muito, a recommendar que os
nomes de pessoas mortas fossem phonetizados, como os de Raymundo Correa
e Luiz Delphino, que ficariam "Raimundo Correia" e "Luís Delfino".

Por esse criterio, Vinicius de Moraes ja teria que ser graphado com
accento agudo no segundo "I" e com outro "I" no sobrenome. Chico Buarque
que se prepare para perder um "L" em Hollanda, e outro Buarque para se
revirar na tumba quando, em vez de Christovam, escreverem "Cristóvão".
Horror maior seria Caetano supportar que graphassem sem geminadas seu
maravilhoso nome completo, Caetano Emmanuel Vianna Telles Velloso!

Verdade seja dicta que nem todos fazem questão das lettras no devido
logar, a começar por Caetano, que assigna "Veloso" com um "L" só, sem
fallar na Ritta Lee com um "T" só, na Ignezita Barroso sem o "G", no
Sylvio Sanctos sem o "Y" e o "C", na Heloiza Hellena, no Aloysio
Mercadante ou no proprio Luiz Ignacio Lula da Silva.

Nunca me esqueço daquella phase em que a "Folha de S. Paulo" cahia nas
mãos da geração do Octavinho Frias e, na soffreguidão de reformar o
manual de redacção, a molecada quiz graphar até o nome do Sarney como
"Sarnei"... e fico me perguntando si o actual editor do jornal se
assigna como Octavio ou como "Otávio"...

Na "Encyclopedia de litteratura brasileira" (titulo que obviamente estou
"desreformando" por vingança), organizada originalmente por "Afrânio"
Coutinho, meu proprio pseudonymo apparece com um só "T" em Mattoso, ao
lado de coisas terriveis como "Gregório de Matos" em vez de Gregorio de
Mattos, ou "Tomás Antônio Gonzaga" em vez de Thomaz Antonio Gonzaga. O
peor é que a obra faz isso tambem com os vivos. Um escriptor que se
chamasse Augusto dos Anjos Seraphim Cherubim teria seu verbete entrando
como "Querubim, Augusto dos Anjos Serafim", na lettra "Q", calculem só!
Alceu Amoroso Lima, si vivo fosse, teria o desprazer de ler seu
pseudonymo Tristão de Athayde como "Ataíde", ja pensaram?

Caso algum jornal embarcasse actualmente numa arbitrariedade dessas, me
ponho a imaginar o problema que se crearia para disciplinar, no caderno
de esportes, os singellos nominhos dos jogadores de futebol... Si nem
siquer os technicos conseguem disciplinar aquelles marmanjos balladeiros
e mascarados, que dizer de seus primorosos prenomes, tão bem escolhidos
por seus papaes e por suas mamães (inclusive com um pedacinho do nome da
mamãe e um do papae, typo Magdalennon ou Izabelvis)? Como teriam que
figurar, na legenda das photos que exhibem seus pezões com a sola em
primeiro plano voltada para a camera, durante uma sessão de exercicios,
aquelles craques cujo salario passa da conta e cujo QI não conta? Um
Kaykawan viraria "Caicauã"? Um Moacyrlyson viraria "Moacírlissom"? Um
Keyrsthon viraria "Quêirstom"? E um Damnrleyrryson, como ficaria?

Prefiro conciliar os extremos. Os paes teem o direito de baptizar seus
filhos como quizerem, sem que os grammaticos se intromettam, os
jogadores teem o direito de ser chamados pelo nome de baptismo, sem que
os jornalistas se intromettam, e os escriptores o direito de usar um
pseudonymo sem que ninguem os "corrija", siquer depois de mortos. Para
brincar mais um pouco com este assumpto serio, escolhi trez sonetos:

SONETO PARA O BAPTISMO DOS FILHOS [1808]

No terceiromundismo brasileiro
ninguem se chama Pedro nem José:
a gente se depara, o tempo inteiro,
com nome que vernaculo não é...

Sempre um "son", sempre um "ton", é o que primeiro
a um pae na idéa vem... À mãe até
occorre um "ley" ou "ney" alvissareiro
que ao filho no futuro traga fé...

Pedrilson, Josezilton, Pedriney,
Joseley... Meu nominho? Ja nem sei
mais como ficaria a escripta disso...

Si eu fosse um jogador de futebol,
então, alguma coisa mais de escol
seria: Pedrizélysson, Zezylsson...

SONETO PARA O BAPTISMO DAS FILHAS [1809]

Peor é quando os paes acham bonito
dar nome que de indigena pareça
num filho ou numa filha. Apenas cito
alguns que veem agora na cabeça:

Kauan, Kauê, Tayná, Luan... Que attrito
tal coisa causaria entre a condessa
do imperio e o proprio conde, nesse rito
sagrado, si a palavra fosse avessa?

Naquelle tempo um homem se chamava
Antonio ou Manoel! Até uma escrava
seria Joaquina ou Benedicta...

Agora é ja mania: Si não for
Whitnéa ou Waldisney, local a cor
terá si é Moacyrson ou Pepytha...

SONETO PARA O BAPTISMO DOS BISNETOS [1810]

E quando o sobrenome for um bicho?
Coelho, Leão, Lobo... ainda vae!
Carneiro e até Bezerra são um nicho
de estirpe familiar, de avô e de pae...

Ha casos, todavia, que um capricho
extranho nos parece, e, quando cae
na bocca deste cego um delles, picho
meu muro, e aquella tincta nunca sae...

Formiga, Aranha, Cobra e até Barata
estão na minha lista, e, nessa natta
ainda muitos mais vou ommittindo...

Lacraia, Escorpião, Sapo, Minhoca...
Não tarda, alguem no filho ja colloca
prenome e sobrenome... Não é lindo?

///

SEPTEMBRO/2009: "TOPICOS TUPYNICOS E TOPONYMICOS"

Outro dia, a proposito dos toponymos brasileiros, fallava eu das
variantes orthographicas do nome da cidade de Nictheroy, mais
propriamente Niteroy. Acho que seria opportuno recapitular as olvidadas
regras que disciplinariam as denominações geographicas autochthones. A
questão dos anthroponymos fica para outra occasião.

Me lembro bem de quando fiz lettras vernaculas na USP e, entre as
materias optativas, a gente podia programmar tupy ou toponymia, o que
practicamente dava na mesma, uma vez que a maioria dos nossos toponymos
são tupynismos... ou tupinismos.

Aqui ja começa a confusão, pois poucos entenderiam que graphassemos
"tupy" com "Y" e "tupinismo" com "I", ao mesmo tempo que graphavamos
"dandy" e "dandysmo", por exemplo. Affinal, pelo systema etymologico a
escripta ficava engessada pelos radicaes em todos os cognatos e
derivados, como em "psycho", que dava "psychanalyse", "psyche",
"psychico", "psychismo", "psychotico", "antipsychiatria" ou
"parapsychologia". Por que, então, não "tupynizar", "tupynificar" e
"tupygraphar" systematicamente? Como diria Oswald, "tupy or not tupy,
that's the question"...

O facto é que, tanto nos tupynismos, em particular, quanto, por
extensão, nos indigenismos em geral, os grammaticos e lexicographos
nunca se entenderam, fosse pelo criterio etymologico, fosse pelo
phonetico. Aurelio, por exemplo, registrava "paraty" com "Y" ao lado de
"tupi" com "I", emquanto Aulete ignorava solennemente os brasileirismos.

Vae dahi que, junctando suggestões de varias fontes e auctoridades,
cheguei à minha propria regulamentação. Na verdade, as regras anteriores
à reforma quarentista ja synthetizavam dialecticamente a tradição
escripta de tendencia etymologista e a coherencia logica das
systematizações phoneticistas. O que fiz foi uniformizar as differentes
posições a fim de estabelecer um parametro seguro.

Na practica, tudo gyra em torno dos phonemas consonantaes em "Ç/SS" e
"G/J", alem do vocalico "I/Y". Sabendo-se que os indios não tinham uma
linguagem escripta, alphabeticamente codificada como a dos idiomas
europeus, temos que partir do principio de que qualquer representação
orthographica será necessariamente arbitraria, mas, como parto do
principio de que o systema etymologico preserva ao maximo as formas
fixadas ha mais tempo, obrigo-me a optar pelo que se poderia chamar de
"phoneticismo etymologizante". Assim, teriamos a seguinte padronização:

No caso das palavras que phoneticamente levam "J" antes das vogaes "E"
ou "I", como "Moji", "Potenji", "Seriji", "Tibaji", "jibóia", "jirau",
"pajé", "Bajé" e derivados typo "bajeense" e "pajelança", prefiro
invariavelmente o "G", graphando "Mogy", "Potengy", "Serigy", "Tibagy",
"giboya", "girau", "pagé", "Bagé", "bageense" e "pagelança".

No caso das palavras que phoneticamente levam "Ç" antes de "A", "O" ou
"U", como "açaí", "Paiçandu", "Moçoró", "paçoca", "Paraguaçu" ou
"Piraçununga", prefiro invariavelmente o duplo "SS", graphando "assahy",
"Payssandu", "Mossoró", "passoca", "Paraguassu" e "Pirassununga".

No caso de "I" ou "Y" a questão é ligeiramente mais complexa, como nos
exemplos citados "Tibagy", "giboya", "assahy" e "Payssandu", mas tudo se
resume em reservar o "Y" para as syllabas tonicas e para os diphthongos,
precedido de "H" no caso das tonicas que implicam hiatos. Assim, as
palavras "Curityba", "Itamaraty", "jurity", "piriry", "Biriguy",
"Piauhy", "Carapicuhyba", "Atibaya" ou "Itatiaya" levam apenas um "Y",
da mesma forma que essa lettra occorre tonicamente em "Pery", "Cauby",
"Moacyr", "Jandyra", "curupyra", "sucupyra", "Sepetyba", "Parahyba",
"tupy", "poty" ou "Jaguary" (e diphthongalmente em "Araguaya", "cayapó",
"Cuyabá", "Tamoyo", "Tapuya", "Bocayuva", "aymoré", "Cayru", "guaycuru"
ou "Uruguay"), sem que se reflicta nos compostos quando haja
deslocamento da tonica, como em "tupinambá", "potiguar" ou
"Jaguariahyva", ainda que se mantenha em derivados como "curitybano" ou
"piauhyense". A rigor, não erra quem graphar "tupynambá", logicamente.

Explica-se, portanto, que o "Y" appareça em "Juquityba" mas não em
"jequitibá", bem como haver "H" na tonica "Sapucahy" e não na
diphthongal "Sapucaya", ou ainda a occorrencia de dois "Y" em "Tuyuty".

Sempre occorrerão excepções, naturalmente, como em "Ypiranga", que na
verdade se compõe de "Y+Piranga", ou em "Ivahyporan", composto de
"Ivahy+Poran", ou como nos diphthongos decrescentes em "caissara" e
"caipyra", que eu preferiria graphar "cayssara" e "caypyra". Tambem
excepcional é o caso em que, mesmo tonico, o "Y" não apparece porque se
nasaliza com "M" ou "N", como em "mirim", "curumim", "tupyniquim" ou
"Tocantins". No caso de "Nictheroy" em vez de "Niteroy", a excepção se
justifica, como ja mencionei, pela tradição toponymica e litteraria.

E por fallar em litteratura, alguns exemplos na direcção do equivoco ou
do acerto: em Gonçalves Dias, o poetico "Y-Juca Pirama" exhibe,
correctamente hyphenada, sua origem composta, emquanto "Os Timbyras" às
vezes apparece erroneamente graphado como "Os Tymbiras", inclusive no
tractado de Bilac. Em Alencar, é correcta a ausencia do "Y" em "Iracema"
e a presença em "O Guarany". Ja o romance de Mario de Andrade devia ser
graphado "Macunahyma" e não, na forma ethnographica, "Makunaima".

Paro por aqui, quando me occorre este soneto para illustrar a materia:

SONETO PARA UMA TATTUAGEM ATTRAHENTE [2092]

"Tatuapé", tupy de origem, é
"tatu que 'inda não pode andar de carro",
si formos num moleque botar fé
quando elle, em meio à turma, tira sarro...

Disposto a fazer graça, digo até
que a ver com tattuagem tem... Me agarro
à hypothese: si alguem tattua pé,
tattua mão e braço... E ja me amarro!

Que typo de "tattoo" num pé se faz?
Si for marcar a lancha dum rapaz,
prefere-se uma bocca de mulher...

No pé duma menina, é temptador
um olho que nos olha, cuja cor
reflecte quem os olhos lhe puzer...

///

MAIO/2009: "LETTRA QUE TE QUERO LETTRA"

Nessa bagunça que characteriza a orthographia reformada desde a decada
de 1940, a toponymia brasileira offerece um complicador a mais. Temos
nomes geographicos typicamente portuguezes, como Sancta Catharina, Minas
Geraes e Matto Grosso, convivendo com toponymos tupys, como Parahyba,
Goyaz e Sergipe. Si as reformas fossem applicadas systematicamente,
tanto uns como outros seriam violentados: Mossoró viraria "Moçoró",
Pirassununga viraria "Piraçununga", Jahu viraria "Jaú", Piauhy viraria
"Piauí", Mogy Guassu viraria "Moji Guaçu", Sergipe viraria "Serjipe",
Bagé viraria "Bajé" e Bahia viraria "Baía", victimas das mutilações,
juncto com os catharinenses, mattogrossenses e goyanos. Apenas os
bahianos batteram o pé e se recusaram a ser chamados de filhos da
"Baía", emquanto outros cidadãos brasileiros tiveram que engolir
"Curitiba" em logar de Curityba, "Cuiabá" em logar de Cuyabá, "Vitória"
em logar de Victoria, "Teresina" em logar de Therezina, ou "Belo
Horizonte" em logar de Bello Horizonte.

A cidade de Niteroy poderia, si quizesse, invocar a tradição para
reivindicar a graphia "Nictheroy", a mais usual dentre as varias formas
encontradiças ha cem annos: "Niteroy", "Nicteroy", "Nitheroy",
"Nyteroy", etc. Na historia da litteratura brasileira ha pelo menos dois
poemas com o titulo de "Nictheroy", um do padre Januario da Cunha
Barbosa, outro de Firmino Rodrigues Silva, e é dessa forma que Bilac os
registra em seu "Tractado de versificação". Por seu turno, Julio
Nogueira, no "Manual orthographico brasileiro", registra que Capistrano
de Abreu graphava "Nyteroe", mas resalva que essa graphia tambem seria
erronea.

Pelas regras do systema que adopto, os termos de origem indigena
empregavam o "Y" em dois casos: nas syllabas tonicas (precedido de "H"
nos hiatos) e nos diphthongos, como em "Itatyba", "Carapicuhyba",
"Sapucahy", "Sapucaya", "Itatiaya", "Atibaya", "Ituyutaba" ou "Tuyuty".
Verdade seja dicta que, como toda regra, esta admitte excepções, ante os
exemplos de "Camaragibe", "Cambuquira" ou "Sergipe". Mas o importante,
aqui, é que os encontros consonantaes "CT" (typico do latim, como em
"nocturno") e "TH" (typico do grego, como em "cothurno") seriam,
evidentemente, extranhos ao tupy aportuguezado, no qual a unica forma
correcta para o nome da cidade fluminense é Niteroy. Em todo caso, tudo,
menos "Niterói", como se vê escripto agora.

Occorre que, na orthographia etymologica, aquillo que se crystallizou
pela tradição pode valer mais que o resultado duma analyse scientifica.
Assim, si Bagé conseguiu conservar seu "G" e a Bahia seu "H", por que
não dar a Niteroy o direito de officializar a graphia Nictheroy?

Discussão maior poderia render o proprio nome do paiz, que hoje
escrevemos com "S" e os inglezes com "Z". Mas elles o fazem porque nós
mesmos usavamos "Brazil" no tempo do imperio e na primeira metade do
seculo XX. Conservadores que são, não mudaram a graphia, emquanto nós
ficamos aqui nesta crise de identidade. Ja o caso de Brasilia, que
nasceu escripta com "S", passou assim para os inglezes, que, portanto,
jamais escreverão "Brazilia", nem que, na nossa proxima reforma,
adoptemos o "Z" nesses toponymos. Em tempo: Aulete e outros auctores
registravam tanto "Braz" como "braza" com "Z". Mas, a rigor, apenas em
caso de consoante final se exigiria tal graphia (como em "gaz", "giz",
"mez" e "puz"), donde a obrigatoriedade de grapharmos "Braz" e a
liberdade de optarmos por "Brazil" ou "Brasil", tendo Julio Nogueira
preferido com "S".

Peor, porem, fica a questão dos adjectivos. Até os orgulhosissimos
bahianos se submetteram ao incoherente tractamento de "baianos" quando
da reforma orthographica, da mesma forma como os corinthianos acceitam
ser tractados de "corintianos"... ainda que ninguem concorde com as
graphias "Baía" e "Coríntians"! Deante dessa subtil circumstancia, qual
deve ser a reacção dos acreanos, agora que os reformistas de plantão
scismaram de adoptar a graphia "acrianos" para os filhos do Acre? Sorte
dos sergipanos, que, alem de conservarem seu "G", nunca se denominaram
"sergipeanos": caso fossem submettidos aos rigores reformisticos, teriam
que se considerar "serjipianos"! Ja pensaram?

De minha parte, o systema etymologico estava adoptado desde o primeiro
livro de poesia ("Apocrypho Apocalypse", de 1975), mas acabei fazendo
concessão ao systema phonetico a partir de 1981, quando alguns livros
passaram a sahir por editoras commerciaes, e até o final de 2008
practiquei o phoneticismo para não difficultar a divulgação da obra
poetica. Ultimamente, baptizei de "Serie Mattosiana" a collecção dos
livros de sonetos, o que suscitou a indagação de alguns leitores:
"mattosiana" ou "mattoseana"? Si fosse agora, a partir de 2009,
adjectivos como "sadeano", "camoneano", "bocageano" ou "sartreano"
levariam, de minha penna, "E" em vez de "I", mas não em todos os casos,
e sim quando o "E" ja estivesse presente no substantivo, donde
"petrarchiano", "bilaquiano" e "mattosiano" ao lado de "camoneano",
"bocageano" e "shakespeareano". Não é o caso de "gregoriano" ou de
"victoriano", cujos substantivos ja trazem o "I".

Tudo, emfim, é questão de bom senso e de preservação do "graphosystema",
que, tal como o "ecosystema", necessita de activistas que de facto
practiquem o que theorizam, e não de proselytos que só abbraçam a causa
da bocca para fora. Si encaro o portuguez escripto como encaro a matta
atlantica, não basta manter bem climatizada a minha bibliotheca: tenho
que semear mais livros, a mancheias, como Castro Alves, todos escriptos
na boa, velha e chlorophyllatica orthographia etymologica! Fallei e
disse!

///

ABRIL/2009: "VOCÊ SABE COM QUEM ESTÁ ESCREVENDO? COM SEU COMPUTADOR
FALLANTE!"

Ja pensou si você, occupado na digitação, quizesse escrever "viado" ou
"buceta" e o corrector orthographico do seu computador não deixasse,
avisando que o certo seria "veado" e "boceta"? Que faria você?
Submetter-se-ia à censura do computador? Mandal-o-ia à merda? E si
alguem de carne e osso quizesse cagar regra, suppondo ter poder sobre
todos os correctores digitaes do paiz? Eu o mandaria engolir seu
"coerdeiro"! E você, o que acha? Para mim é "coherdeiro", com "H" e sem
hyphen, e estamos conversados, como diria a Aracy de Almeida.

Meu computador fallante não se attreve a cagar regra emquanto digito,
mas fico imaginando a raiva dos meus collegas de penna deante desses
omnipotentes academicos da commissão encarregada de publicar o tal VOLP.
Seria o caso de perguntar: "encarregada" por quem? Eu por acaso votei
para eleger tal commissão? Passei procuração para decidirem como devo
graphar "veado", "boceta" ou "coherdeiro"? Algum de vocês votou ou
passou procuração?

Depois que sahiu na revista "Língua Portuguesa" (cujo titulo devia ser
"Lingua Portugueza") mais um artigo meu contra a actual orthographia,
augmentou a quantidade de mensagens na minha caixa de entrada. Numa
dellas, o leitor me interpella accerca do termo "accordo" para designar
a reforma ora vigente. De facto, nada mais ironico que baptizar de
"accordo" uma norma baixada de forma tão auctoritaria.

Poucos attentaram para o detalhe historico, mas não foi casual que o
"accordo" de 1943 (que substituiu da noite para o dia e de cyma para
baixo o systema etymologico pelo phonetico) tenha sido officializado
durante a dictadura getulista, nem que o decreto de 1971 (que reduziu a
quantidade de accentos mas manteve o systema phonetico) tenha sido
baixado durante a dictadura mais recente, ja sob o AI-5, assignado pelo
mais linhadurista dos generaes de plantão. Tudo isso é symptomatico da
arbitrariedade e da arrogancia com que taes decisões são tomadas, e o
facto de que o actual "accordo" entre em vigor num periodo suppostamente
democratico não o livra do character auctoritario e illegitimo.

Basta observar o que occorre nos paizes mais desenvolvidos e
civilizados: nem os academicos de Oxford ousam profanar a graphia do
idioma inglez, nem os da Academia Franceza o fazem na sua lingua. Só
mesmo nesta colonizada e atrazada communidade lusophona um assumpto
dessa magnitude é monopolizado por um unico Houaiss ou por meia duzia de
Becharas! Quem elles pensam que são para cagar regra sobre um universo
de fallantes e uma parcella de lettrados? Querem ter mais poder que um
monarcha absolutista, mas nem siquer representam a intellectualidade da
qual se julgam oriundos! Vocês não acham petulancia demais?

O mais chato de tudo é que sempre tive pelo Houaiss o maior appreço,
sempre lhe admirei o saber encyclopedico e a paternidade de importantes
diccionarios. Elle não precisava escorregar nesse megalomaniaco impulso
de vaidade, nessa infeliz pretensão de legislar theocraticamente, como
si fosse um ministro do STF, inebriado pela sensação de poder.

Quem decide sobre o uso dum idioma são seus usuarios, e não apenas os
vivos, mas todos aquelles que o fallaram e escreveram ao longo dos
seculos. Nesse contexto, as normas se formam, se consolidam ou se
alteram paulatina e ponctualmente, jamais por decreto de alcance
exhaustivo e effeito immediato. Portanto, orthographia não é coisa que
se reforme como um regimen politico ou tributario. Aliaz, não
conseguimos reformar siquer nossas instituições mais transitorias, sejam
ellas civis ou fiscaes, e esses gattos pingados querem reformar nossa
quinhentista escripta? Que audacia, a desses tyranninhos de fardão, hem?

Dahi por que, sommando-se à minha sympathia pelas raizes grecolatinas,
adopto esta attitude rebelde de repudio à norma vigente. Insisto: nós,
escriptores, somos os legitimos usuarios da lingua escripta, e nós,
poetas, exercemos com auctoridade o direito à licença poetica. Ninguem
mais credenciado que um poeta para deliberar sobre o que seja correcto
em materia de grammatica ou de orthographia. Affinal, os proprios
lexicographos recorrem a nós quando querem abonar as accepções ou
applicações morphologicosyntacticas dos vocabulos que verbetam, não é
mesmo?

Não faço questão que me citem nos futuros diccionarios, mas faço questão
de consultar prioritariamente os diccionarios anteriores às dictaduras
republicanas, dictas "revolucionarias" mas litteralmente reaccionarias.
Prefiro ser, paradoxalmente progressista, adepto da graphia mais
"conservadora" na qual escreveu Machado, aliaz fundador da nossa
academia.

///

sábado, 4 de maio de 2013

MARÇO/2009: "O ORPHANATO INGLEZ E O ASYLO PORTUGUEZ"


Outro dia um amigo me criticava pelo quixotismo de defender sozinho a
"velha" orthographia. Respondi que as reacções collectivas começam
assim, pela iniciativa isolada de algum inconformado, ao qual os demais
vão adherindo. E comparei minha attitude ao que acontece na lingua
ingleza. Elles não reformaram a orthographia e não se preoccupam com o
desapparecimento do "PH", mas a universidade de Oxford quer evitar que
certas palavras caiam em desuso e sumam do vocabulario fallado ou
escripto. Para isso foi creado um sitio chamado "Save the Words"
(savethewords.org), que estimula o emprego de palavras em risco de
extincção. Elles rastreiam a rede para detectar vocabulos que, de tão
raros, nem são reconhecidos pelos correctores orthographicos dos
programmas de edição digital. Depois de seleccionadas pelos
lexicographos, as palavras "esquecidas" são colladas no sitio, donde
berram em audio para que os internautas as adoptem, como si fossem
creanças desamparadas. Quem decide adoptar uma dellas tem que se
registrar no sitio e se comprometter a utilizal-a, tanto nas conversas
quanto na correspondencia. O sitio até emitte um certificado de adopção
para cada voluntario.

Ora, por que não crearmos, em portuguez, um sitio que estimule o emprego
da orthographia etymologica? Affinal, si os latinistas cultivam uma
lingua "morta", ou os esperantistas uma lingua "artificial", por que não
reconhecermos que o cultivo duma escripta "archaica" pode ter sua
importancia cultural, que vae muito alem da simples rebeldia individual
dum poeta cego?

Sciente estou de que poucos teem accesso às fontes de referencia
prequarentistas, como um "Diccionario contemporaneo da lingua
portugueza" (1881) de Caldas Aulete, ou um "Manual orthographico
brasileiro" (1921) de Julio Nogueira, e egualmente poucos teem erudição
grecolatina capaz de "reconstituir" a graphia antiga a partir da actual
forma phonetizada. Por isso estou preparando um minimanual, que
intitulei "Decalogo mattosiano", ou "Promptuario practico do systema
etymologico", para synthetizar regras e exemplos, excepções e casos
ommissos. (*) Logo disponibilizarei esse breviario. Por emquanto, vamos
commentar o que está vigorando.

Dos trez cavallos de battalha na nova reforma (trema, accentos e
hyphen), o mais tranquillo é o trema. Concordando ou não, todos sabem
onde elle existia e passam a saber que elle deixa de existir. Poncto
para o systema etymologico, pois antes de 1943 o trema nunca existira.
Typica notação alleman, apparecia somente em adjectivos como
"mülleriano", mas era extranho ao portuguez. Nem por isso alguem iria
pronunciar "linguiça" como "preguiça", nem "tranquillo" como "aquillo".
Bastava o costume para orientar o ouvido e a escripta. Nenhum drama,
portanto, nesta queda do trema, um signal que jamais deveria ter entrado
na lingua.

Ja quanto ao hyphen a porca torce o rabo, e teremos panno para manga.
Antes de analysarmos os innumeros casos particulares, comtudo, importa
resalvar que a nova reforma até que tentou uniformizar, mas acabou
escorregando nos mesmos problemas provocados pela bagunça do systema
phonetico arbitrariamente implantado em 1943, que ja fora remendado em
1971. Na raiz de tudo está a incoherencia de qualquer escripta que se
pretenda phonetica, contrapondo-se à intransigencia de qualquer escripta
que se pretenda etymologica. Vamos destrinchar.

Na briga entre etymologistas e phoneticistas, as consoantes insonoras e
geminadas são o maior pomo da discordia. Palavras como o substantivo
"penna" e o verbo "annullar" dão bom exemplo. Para os etymologistas
(como eu), os dois "NN" de "penna" são fundamentaes para entendermos que
a "pena" com um "N" só é dó ou punição, emquanto a "penna" com dois "NN"
é a antiga canneta. Da mesma forma, "annullar" (tornar nullo) nada tem a
ver com o dedo anular (com um "N" e um "L" só), mas para os
phoneticistas toda lettra dupla tinha que se reduzir a uma, de modo que
as palavras ficassem enxutas e leves. Mesmo sem concordar, eu até
entenderia, si o criterio fosse geral. Succedeu, porem, que os proprios
reformadores não se entendiam: queriam eliminar o "H" de "humidade" mas
não de "humanidade", embora graphassem "deshumanidade" sem "H". Queriam
tirar o "H" de "herva" mas não de "herbivoro". Queriam trocar o "X" de
"dextra" por "S", mas não tiraram o "X" de "extra". Ou reformassem duma
vez, ou deixassem como estava! Ahi veiu o peor: emquanto tiravam lettras
dum lado, doutro accrescentavam lettras onde não havia, como um "S" a
mais em "antiseptico" ou em "asymmetrico". Que adeanta fazer um buraco
para tapar outro? Crearam-se monstrengos como "antissético" e
"minissaia", quando o mais logico seria, aqui sim, usar o hyphen. E a
estupidez não parava por ahi: alguns prefixos exigiam hyphen, como
"auto", mas outros exigiam juxtaposição, como "anti", e tinhamos
absurdos como "auto-retrato" coexistindo com "antinazista". Agora chega
a nova reforma e altera "microondas" para "micro-ondas" e "auto-retrato"
para "autorretrato"! De novo duplicando consoantes que não são duplas!

Ora, a unica finalidade do hyphen seria justamente evitar essa falsa
duplicação de "RR" e "SS", alem de proteger o "H" que não quizeram
supprimir de "anti-horario". Si fossem realmente phoneticistas, deviam
mudar logo para "antiorário", "orário", "umano", "úmido", "erva",
mantendo o hyphen em "mini-saia", "auto-retrato", "anti-sético" e
"a-simétrico". Só assim o raio do tracinho teria alguma utilidade.

Quanto a mim, que faço em taes casos? O systema etymologico não
approxima a escripta da falla, de forma que, dependendo da clareza e do
bom senso, cada composto é unido ou separado: "antiseptico",
"asymmetrico", "autoretracto", "antinazista", "antisocial", "minisaia",
"microondas", "bom senso", "cavallo de battalha", "sacco de gattos"...
Era até melhor ter eu escripto "anarcholitterario" (tudo juncto) ou
"livre pensador" e "franco atirador" (separado) do que com hyphen, como
fiz no primeiro capitulo. O hyphen é, na verdade, um estorvo cujo
emprego devia ser restricto ao minimo exigido pela clareza.

Nós, etymologistas, gostamos de lettras a mais? Sim, mas não inventamos
lettras, não collocamos lettra a mais onde ella nunca existiu. Jamais
escrevo "antisocial" ou "contrasenso" com dois "SS". Si eu fosse
phoneticista, usaria o hyphen exactamente nesses casos, para favorecer a
pronuncia, e prompto. Antes escrever "asymmetrico" que "assimétrico".
Antes "autoretracto" (ou mesmo "auto-retracto") que "autorretrato".

Emquanto a maioria simplesmente segue a nova regra sem questional-a, eu
convido meus selectos leitores a reflectir que não são só os poetas que
teem liberdade para transgredir, mas todos aquelles que pensam no idioma
como um filho adoptivo, e não como um pae auctoritario.

(*) O manual acabou assumindo proporções mais volumosas e foi abbreviado
como appendice a um "Diccionario orthographico phonetico/etymologico"
que elaborei quattro annos depois e que, alternativamente intitulado
"Dicionário ortográfico fonético/etimológico", ja existe em archivo
digital e se espera editado em papel. (Nota de abril/2013)

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